segunda-feira, março 30, 1992

DEMISSÃO INSÓLITA


FACE OCULTA



DEMISSÃO INSÓLITA



O peso que o deputado Borges de Carvalho deteve, desde sempre, no aparelho do PSD e a sua súbita e isolada demissão justificam uma análise detalhada.

Com efeito, Borges de Carvalho além de líder do grupo parlamentar sempre desempenhou papel de relevo na defesa dos pontos de vista do seu partido no parlamento. Como sempre, foi um elemento chave no aparelho partidário na ilha Terceira. Funcionalidade que lhe proporcionou largas benesses governamentais tais como a generosa fatia de avenças jurídicas de várias secretarias e departamentos governamentais. Facto não despiciendo já que lhe terá dado acesso, ao longo dos anos das vacas gordas da autonomia, a significativos proveitos.

Não se trata portanto, da demissão isolada de um qualquer militante do partido governamental. Trata-se da demissão de um elemento chave do PSD/TERCEIRA e um companheiro de estrada, durante muitos anos, de Mota Amaral.

Mas não só. Trata-se também da demissão de um membro do grupo da Terceira que, a determinada altura, começou a contestar a lideranças de João Bosco e que nas últimas eleições para os órgãos da ilha do partido tomou conta da chefia do aparelho. Parceiro de Joaquim Ponte e Fátima Oliveira, que desempenham funções do mais alto relevo na direcção terceirense do partido.

Borges de Carvalho sempre se posicionou como um homem influente do partido, uma das faces públicas do projecto autonomista social-democrata. Jamais foi um elemento marginal, foi sempre um aguerrido parlamentar.

É, portanto, neste contexto que deve ser analisada a sua demissão. Uma demissão isolada, sobretudo em relação aos restantes membros da linha contestaria terceirense e ao próprio Álvaro Dâmaso. Para já todos continuam no partido.

Situação perfeitamente entendível se Borges de Carvalho tivesse justificado a sua demissão com argumentos de ordem pessoal. Mas os argumentos invocados foram políticos e, o que é bem mais grave, levantaram a suspeição do espectro separatista ao PSD. Acresce que insinuação tão grave não mereceu qualquer repúdio formal do partido e que o autor tem obrigação de conhecer profundamente os cantos à casa.

De modo que se faz correr aquele deputado não é mero despeito de quem foi desalojado de gordos privilégios ou o desamor de quem já tem a barriga cheia, então o assunto é grave. Trata-se de uma acusação séria que tem que ser devidamente fundamentada pelo seu autor e que tem que merecer uma tomada de posição muito clara por parte dos responsáveis máximos do PSD.

Então sempre será verdade que a autonomia do PSD é apenas um degrau na caminhada separatista? Se sim porque razão apenas agora, que o assunto parecia estar moribundo, se lembrou Borges de Carvalho de o trazer a colação? Que aconteceu aos outros membros do grupo contestário terceirense que se remeteram ao mais profundo silêncio?

Nesta questão há, efectivamente, várias contradições que convém esclarecer.

Borges de Carvalho, apenas um homem isolado e ressentido ou um homem de barriga cheia que tenta dar uma coloração política a um acto de abandono? Ou então Borges de Carvalho um homem de coragem, a ponta de um iceberg de proporções descomunais versus um PSD agonizante que já nem reagir consegue?

Uma demissão que, em qualquer das possíveis versões, não é inocente nem acidental. Uma demissão que não pode ser ignorada nem tratada como um mero fait-divers da política regional.


PEDRO  DAMASCENO


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