sexta-feira, maio 25, 2012

Uma ideia para Portugal

O desperdício, a burocracia e o absurdo continuam
José Gil

Uma ideia para Portugal


É recorrente o nosso lamuriar de que este país não tem conserto, de que assim não vamos lado nenhum, que não admira que estejamos como estamos, que ninguém é capaz de tomar mão nisto e por aí fora.

Somos, como é sabido, um país de treinadores de bancada.

Em grande parte resquícios ainda do salazarismo bacoco que nos comeu as estranhas e a cabeça e nos deixou um legado de mordomias e correlativas subserviências num caldo de medos e mexericos.

Continua difícil, ainda hoje, ser frontal e directo em Portugal. Continuamos a misturar profissional com pessoal e vice-versa criando do um jogo de espelhos que nos impede de assumir, finalmente, a nossa maioridade.

Talvez por isso nos chamem um país de brandos costumes quando realmente somos um país de fracos costumes. Mais do que brandos somos fracos. Matamos e estripámos pelas costas enquanto damos pancadinhas nas ditas pela frente.

Procurar apenas na globalização, na dívida excessiva e na má governança a raiz dos nossos males é continuar a infantilizar uma nação que teima em não crescer. A pôr paninhos quentes numa lesão maligna.

É continuar a não fomentar a resiliência necessária para enfrentar um mundo em profunda mudança e os desafios levantados pelo acordar da ilusão colectiva de que tínhamos chegado a um bem-estar irreversível.

A pobreza e a iniquidade inapeláveis são uma realidade neste país que nenhum ensaio intelectual pode branquear. Mas há muita exclusão social e marginalidade que tem muito a ver com o sistema permissivo e esmolar que continuamos a manter.

Portugal precisa de acordar para o facto de que temos de deixar o jardim-escola e de procurar as culpas nos outros meninos. As grandes reformas de que o país precisa não se fazem apenas porque os lóbis e as corporações não deixam e porque o governo não tem coragem.

Não se fazem também porque os nossos fracos costumes garantem a impunidade. Porque preferimos não ir votar e não participar activamente na nossa vida colectiva do que ter de assumir posições susceptíveis de nos criar “problemas”.

Porque preferimos continuar ter uma baixa produtividade ou a estiolar à sombra de um emprego na função pública do que arregaçar as mangas para trabalhar e fazer trabalhar. Porque preferimos ser a cauda do leão do que a cabeça da raposa.

A corrupção, o compadrio, a incompetência, o desperdício, o despotismo, a burocracia, a falta de convicções e empenhamento são as metástases do cancro que come a Alma Portuguesa. E cancros não se tratam apenas com mezinhas caseiras ou preces.

E muito menos com poções mágicas partidárias ou malabarismos financeiros. Tratam-se erradicando o mal pela raiz ou, o mesmo é dizer, lançando uma profunda catarse nacional que nos acorde e devolva “as armas e os barões assinalados que da ocidental praia Lusitana” partiram.

A troika é, apenas, um mal passageiro.



P E D R O D A M A S C E N O



sexta-feira, maio 11, 2012

História de Leela

Historia de Leela
(O mais risível dos ridículos)


Leela ainda não nasceu mas já anda às voltas com a burocracia portuguesa e com ditames remanescentes da ditadura, do tempo em que quase era preciso pedir licença para ir à casa de banho.

Trinta e oito anos passados do 25 de Abril mais vinte e sete de adesão à Comunidade Europeia e mais não sei quantos de globalização ainda continuamos às voltas com provincianismos serôdios, discricionários e sobretudo, autoritários.

É o caso da “famosa” lista de nomes próprios autorizados e não autorizados e que, graças a Deus, já é possível consultar na página da Internet do Instituto dos Registos e Notariado. Dantes era um segredo fechado a sete chaves, cabalístico e acessível apenas a iniciados.

Existindo mesmo a Lei nº 33/99 de 18 de Maio (com as alterações do Decreto-Lei nº 232/2001, de 17 de Dezembro e do Decreto-Lei nº  194/2003, de 23 de Agosto) aonde se estipula que os nomes próprios devem respeitar a ortografia oficial. Ufa!!...

Talvez por isso é que na famigerada lista existem nomes como: Abdégano, Ailé, Chantal, Guendolina, Alicibiade, Anquita, Aradna, Blásia, Carin, Adrualdo, Adiel, Aniria, Deise, Abelámio, Anaicé, Kyara (não é gozo!). Kévim, etc.

Nomes que o bendito e teimoso do meu corrector ortográfico não reconheceu e que, indiscutivelmente, todos reconhecemos com respeitadores da ortografia oficial e lídimos exemplos da nossa cultura fonética e da nossa onomotopeia.

Razões para que os sábios (possivelmente alguns doutores) achem que uma menina se poderá chamar Larissa, Liberalina, Linzia, Lisdelia, Lutgarda, Luzinira, Luegi, Lucileine, Ludmila, Loredana. Mas nunca Leela.

Leela nunca. Lutgarda, Luegi e Kyara sim. Porque sim.

Leela iria pôr de rastos a nossa avoenga cultura que não tendo mais que fazer se dedica a chatear o cidadão, nem que para isso tenha que cair no mais risível dos ridículos e trata-lo como um atrasado mental sem senso sequer para escolher um nome para um filho.

O Salazarismo era isso mesmo: uma cultura opaca, cinzenta, paternalista, ignorante, petulante e, essencialmente, castradora. Custa ver que em 2012 persistem sinais inquietantes de que muito há ainda para mudar em Portugal.

Muitas vezes é nas pequenas coisas que se descobrem tiques autoritários que nos devem chamar a atenção para que o que passa atrás do palco é bem mais do que se passa em cena, como ensinava Shakespeare.

Leela é um melodioso nome sânscrito que simplesmente quer dizer alegria/diversão. Possivelmente a maneira como os pais querem saudar a chegada de um filha bem querida e já amada.

Mas o Estado Português simplesmente não deixa. Se lhe quiserem dar um nome excêntrico ou exótico mas respeitador da ortografia oficial então que lhe chamem, por exemplo, Zahara ou Yasmin.

Mais português do que isso não há.


P E D R O D A M A S C E N O