FACE
OCULTA
«Existe
um perigo na mudança arrojada mas ainda maior é o perigo do conservadorismo
cego»
Henry George
«Os partidos são
um mal necessário nos países livres.»
Toqueville
MUDANÇAS E MUDANÇAZINHAS
DEMOCRACIA E PARTIDOCRACIA
Inicia-se, agora, a contagem
descendente para o acto eleitoral regional de Outubro, com uma campanha
eleitoral que promete aquecer.
Óptima altura para reflectir um
pouco, e de forma desapaixonada, sobre a política e os políticos.
Aos açorianos vai pôr-se, mais uma
vez, a possibilidade de optarem entre vários partidos. Não mais do que isso. Os
eleitores vão votar em partidos, não vão votar em pessoas e, muito menos, em
deputados. Os votos vão ser contabilizados aos partidos e não aos deputados. E
a melhor prova disso é que quem ganhar, seja ele quem for, vai considerar esta
vitória como do seu partido.
Os eleitores só estariam a escolher
os seus deputados se eles respondessem directamente perante que os elegeu. Mas
não, os deputados respondem em primeiro lugar perante o partido que os fez eleger.
No presente sistema os deputados
estão, em primeira linha, comprometidos com o programa do partido ou coligação
que foram eleitos. Tentar fazer crer o contrário é pura fraude. O deputado só
representará directamente os seus eleitores quando for nominalmente eleito por
eles e só perante eles responder.
O deputado «independente» eleito por
um partido é um puro eufemismo normalmente destinado a captar votos indecisos
que o partido não consegue tocar. O deputado independente só existirá de facto quando acabar o exclusivo dos
partidos e os cidadãos se puderem candidatar com plataformas políticas
autónomas.
Portugal, após 18 anos de exercício
democrático, continua a manter um modelo de representação que assenta, quase
exclusivamente (excepção às juntas de freguesia), nos partidos políticos. A
vida política deste país e desta região é, em termos práticos, um exclusivo dos
partidos.
Partidos que criaram os seus líderes
(alguns de duração bem fugaz outros quase monarcas), os
seus estados-maiores constituídos por «notáveis» e as suas clientelas. E são os
partidos que têm monopolizado as escolhas dos nossos governantes, dos nossos
deputados e dos nossos presidentes de câmara.
Os eleitores votam, sem dúvida, mas
votam em opções que são uma espécie de refeições pré-cozinhadas. E, não poucas
vezes, vêem-se obrigados e escolher entre o fogo e a frigideira!
Que vivam os partidos pois a sua
existência é imprescindível numa sociedade livre. Mas que acabe este verdadeiro
monopólio que detêm sobre a vida política do país. É certo que muita gente
perderá tachos e benesses mas a democracia será reforçada. Não é por acaso que
o nível das abstenções atinge níveis verdadeiramente preocupantes. Haverá um
conjunto de razões mas de todas elas uma sobressai: o desencanto e o cepticismo
perante os políticos e a política («todos querem é tacho»)
E de facto política («f. ciência ou
arte de governar os povos ou nações») é substancialmente diferente de
democracia («f. sistema político fundamentado no princípio de que toda a
autoria emana do povo e que se
materializa na participação deste na gestão administrativa estatal quer
seja directamente ou por representação»). Mesmo quando a participação do povo
se faz por representação (caso da Assembleia Regional) nunca esta representação
se deveria autonomizar em relação aos eleitores. Mas não é isso que acontece na
maioria dos casos. Acontece, sim, partidocracia (sistema político baseado no
princípio de que todas a autoridade emana dos partidos) que, claramente, é uma
forma menor de democracia.
Tarde a hora em que os partidos
tenham a coragem e a isenção de modificar a Constituição no sentido de abrir à
participação de verdadeiros independentes todos os níveis da vida política. Até
para que não caia na hipocrisia de serem os próprios partidos (por definição o
contrário de independência) a promoverem candidaturas de «independentes». Os
partidos significam, por excelência, um ideologia e um projecto colectivos. Os
independentes representam, por excelência, ideias e projectos personalizados.
Como diria o Povo, «cada macaco no seu galho»!
Mas para participar na gestão de uma
sociedade (democracia) não se pode resumir a votar de tantos anos ou meses,
seja em partidos seja em independentes. Essa participação, para ser real, terá
que se fazer no dia-a-dia e em todo o lado (emprego, rua, agremiações culturais
e recreativas, sindicatos e associações patronais, associações de consumidores
e de defesa do ambiente, etc.) As pessoas terão que perceber que todo o cidadão tem o direito e o dever de
participar activamente na condução dos seus destinos – quer seja protestando,
apoiando, denunciando ou criticando. Votar nas eleições embora sendo um acto
cívico da maior impotência não é suficiente.
Os Açores precisam urgentemente de
mudar, muita gente tem consciência disso. É urgente que a sociedade açoriana
abandone mitos de infabilidade e tabus de insularidade. É urgente que se torne
uma sociedade mais aberta, participada e solidária. É urgente acabar com o
espírito da esmola e do subsídio. Os Açores têm que se bastar a si próprios,
tem que viver ao nível das suas possibilidades. É urgente desenvolver e criar
riqueza, mas esse esforço tem que ser colectivo.
As mudanças que urge introduzir não
serão, por isso, atingidas apenas por se
mudarem governantes ou partido. As mudanças só surgirão se a sociedade
civil açoriana for capaz de se empenhar na sua obtenção. Os governos podem estimular
essa participação como podem reprimi-la. Mas a última palavra deverá caber
sempre ao cidadão.
Se assim não for teremos (se
tivermos) mudançazinhas e não mudanças. Do mesmo modo que continuaremos a ter
partidocracia e não democracia.
P
E D R O D A M A S C E N O
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