sexta-feira, janeiro 28, 1994

O MUNDO DE ZHIRINOVSKY


FACE OCULTA

«Os que tiveram que ser presos, sê-lo-ão, calmamente, durante a noite. Possivelmente terei que executar 100.000 pessoas mas os outros 300 milhões viverão em paz. Eu tenho o direito de executar 100.000 pessoas. Eu tenho esse direito como presidente»
Vladimir Zhirinovsky


O MUNDO DE ZHIRINOVSKY


O grave da citação, acima transcrita, é que foi feita em Dezembro de 1993 por um político que acabava de obter um expressivo resultado eleitoral neste nosso conturbado mundo e num país que era, até há bem pouco tempo, uma grande potência mundial. Um homem que afirma que a política é constituída por 70% de mentiras e terror e que, por consequência, não é possível fazer política sem mentiras e terror!

Tudo não passaria de um lamentável incidente a juntar a tantos outros se não fosse este fascista puro, o líder da força que obteve o resultado mais espectacular nas últimas eleições na Rússia. Um fascista descarado que nem se preocupa em disfarçar o seu racismo e nacionalismo primários. Um homem arrogante, inculto e agressivo que consegue, contudo, através de uma demagogia ultranacionalista e racista arrastar as massas atrás de si. Um homem que apela aos instintos mais primários e negativos eleitorado e que, quase, consegue chegar ao poder.

Situação que, pela perversão que representa, abala, fortemente, o próprio conceito de democracia parlamentar ocidental. Porque sendo este sistema, apesar de tudo, o melhor conhecido, ainda assim não consegue impedir desvios graves daquilo ao longo de gerações se tem vindo a constituir como o núcleo cultural e político desse próprio sistema democrático a permitir e viabilizar o acesso aos poder de forças anti-democráticas?

A democracia para subsistir não pode chegar a um ponto de debilidade tal que seja, ela própria, a gerar, no sei seio, a sua causa de morte. Seria como um médico que se estivesse a matar os seus próprios doentes! São coisas completamente contraditórias nos seus termos e que portanto não fazem qualquer sentido lógico.

De modo que é perfeitamente legítimo poder afirmar-se que não existe na Rússia, por muito que isso pese a alguns idealistas bem intencionados, democracia. Existe apenas um simulacro carnavalesco e em versão russa de democracia para europeu ver. Haverá quem ache que apesar de tudo é preferível um Boris Yeltsin e esse simulacro do que o sistema que lá estava, antes. É possível mas que ninguém se iluda quanto ao teor perverso do actual sistema que vigora a Rússia.

Mas como se pode compreender e muito menos aceitar que um homem como Zhirinovsky tenha assento num parlamento dito democrático quando ele representa tudo aquilo que esse parlamento não pode significar?

Não será levar a tolerância democrática longe de mais?

Ou será apenas mais um daqueles casos em que a nossa hipocrisia civilização vai meter a cabeça debaixo da areia e fingir que não está a perceber nada? Um fascista e racista assumido não poderia, nunca, ter lugar, passem os votos que ele teve, num órgão que pretende ter uma instituição representativa de quem aceita as regras do jogo democrático e não mero instrumento de poder para quem não respeita e muito menos aceita os valores essenciais de um estado de direito.

A comunidade internacional estará a cometer um grande erro político ao tomar uma atitude passiva num caso como este.

Não se pode analisar o caso russo com os valores e os olhos de Londres, Paris ou Bona. É uma sociedade que acaba de sair de uma longa noite de totalitarismo com valores quotidianos e uma cultura muito diferentes da Europa Central. Tentar transpor para lá, de uma forma mecanicista, os nossos valores poderá levar a erros grosseiros de avaliação.

A Europa e os estados Unidos terão que avaliar muito bem os termos e as condições em que fazem e farão a sua ajuda. A passividade da Europa será, sem dúvida, interpretada por espíritos como os de Zhirinovsky como prova de fraqueza e de medo da comunidade internacional. Veja-se o exemplo do Iraque e de Saddam que continuam a incomodar tudo e todos porque apenas não houve a coragem de assumir até às últimas consequências a Guerra do Golfo.

Os inimigos da democracia não podem, em nenhuma circunstância, ser tratados como democratas. Esse erro, repetidamente cometido, tem levado ao derrame de muito sangue inocente e de muito sofrimento. Os exemplos são tantos e tão recentes que nem vale a pena citá-los.

Que haja coragem para alguém se levantar e gritar bem alto que o rei vai nu.


P E D R O  D A M A S C E N O




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