sexta-feira, janeiro 14, 1994

UM TIRO NO PÉ OU UM GOLPE DE MESTRE?


   FACE OCULTA

«Embora só alguns estejam aptos a gizar uma política, todos são capazes de a julgar»
Péricles de Atenas

UM TIRO NO PÉ OU UM GOLPE DE MESTRE?


O resultado das eleições autárquicas nos Açores foi uma surpresa para toda a gente. Nunca o PSD imaginou uma vitória tão folgada nem o PS uma derrota tão pesada.

O mais previsível era um resultado equivalente ao de 1989 com algumas alterações de câmaras, aqui e ali, mas com uma distribuição de forças semelhante.

As dificuldades decorrentes da crise conjugadas com uma governação baça e incapaz de encontrar soluções originais para os problemas regionais, o desgaste de tantos anos de poder e de uma gestão autárquica socialista globalmente adequada não faziam prever um suplemento de legitimidade popular para o partido do governo. Bem pelo contrário, isso sim, uma consolidação das posições do PS, sobretudo a nível do Pico e S. Miguel.

Tirando os casos de Lajes do Pico e Praia da Vitória que, por condicionalismos específicos, poderia voltar para a órbita do poder, era de esperar, como de resto sucedeu no continente, um resultado final francamente positivo para a oposição.

Nem o governo regional foi tão brilhante e eficaz ao longo destes últimos quatro anos nem a oposição socialista, apesar de tudo, tão desastrosa. Houve, inclusive, câmaras que passaram para o PSD e que estavam a ter gestões perfeitamente positivas como foi o caso de Madalena do Pico e Ponta Delgada.

O que se passou então? Porque razão decidiu o eleitorado colocar, novamente, quase todos os ovos no mesmo cesto? Porque decidiram os picoenses, por exemplo, passar toda q gestão autárquica para o partido do poder, numa ilha tradicionalmente desgostosa com a falta de benesses por parte do governo?

Sabido que, frequentemente, as eleições autárquicas são utilizadas pelos eleitores para mostrar cartão amarelo ao governo tudo parece indicar que os eleitores açorianos quiseram exprimir apoio ao governo. As discrepâncias e contradições verificadas em muitos sítios levam à conclusão que o voto nestas autárquicas foi, essencialmente, um voto na camisola. O que, obviamente, quer dizer, em termos objectivos, que os açorianos continuam claramente satisfeitos com a política do PSD.

Se as eleições tivessem sido legislativas ainda se poderia argumentar que a vitória social democrata tinha sido mais por demérito da oposição do que por mérito do poder. Mas tendo estas sido eleições e tendo da oposição em muitos sítios bons candidatos que perderam inesperadamente, mesmo para as próprias hostes laranjas, tal raciocínio não é possível.

O único raciocínio possível é que o modelo político protagonizado pelo PSD/Mota Amaral/Natalino Viveiros ainda continua a agradar, apesar de todas as críticas mesmo de dentro do partido, à maioria dos açorianos que continuam a achar que é neste modelo que poderão encontrar mais benesses e vantagens. Embora o PSD tenha contado com meios de propaganda eleitoral mais sofisticados e abundantes e com própria máquina do governo, o mesmo se verificou no continente e os resultados foram completamente diferentes.

Naturalmente que o partido do governo ao conseguir esta consolidação eleitoral passou a ter, se ainda é possível, responsabilidades acrescidas na condição dos destinos açorianos. Têm, quase em exclusivo, a faca e o queijo na mão.

Os açorianos têm, por outro lado, aquilo que escolheram: um cenário que potencializa a eternização de uma força política no poder e que deixa pouca vontade de participação política a quem protagonizou a oposição.

Será que os açorianos ao terem votado assim não se aperceberam de todas a implicações políticas que o seu acto iria trazer e de algum modo deram um tiro no próprio pé ou sabiam muito bem o que estavam a fazer na defesa dos seus interesses pessoais e imediatos e assim deram um golpe de mestre. Terão os açorianos perdido alguma da sua proverbial manha ou terão mesmo uma alma laranja?


P E D R O  D A M A S C E N O


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