sexta-feira, junho 20, 2008

A crise e nós

…a nossa cultura é que está à beira do colapso.
Simon Dolon



A crise e nós


O país tem assistido às mais variadas manifestações contra a alta dos combustíveis e as dificuldades daí derivadas. Tendo o mesmo acontecido na França, na Grã-bretanha ou na Índia.

A alta dos preços do óleo é global e os “nossos” preços reflectem essa realidade. Quaisquer medidas que o governo português possa vir a tomar não irão resolver o problema de fundo – uma séria crise energética mundial.

Apesar das anteriores crises e de subidas vertiginosas dos preços do crude, pouco ou nada, aprendemos. Após o pânico inicial voltamos ao cenário de laxismo energético.

O consumo desenfreado não abrandou e o parque automóvel tem crescido incessantemente. Os sucessivos governos não conseguiram pôr de pé nem uma política energética inovadora/alternativa com pés e cabeça nem, muito menos, implementar transportes públicos, eficazes e baratos.

As filas intermináveis de carros, com apenas uma pessoa, continuam a ser o pão-nosso de cada dia. Num esbanjamento cego e totalmente insustentável. Mesmo, entre nós, o número de carros por agregado familiar continua a crescer.

As tentavas tímidas de pôr no mercado veículos movidos a energias alternativas não tem passado disso mesmo: tentativas tímidas e sem impacto visível. E quem tivesse dúvidas ficou, certamente, esclarecido como se passou há dias em Lisboa. O caos esteve a um passo.

E, como sempre, todos se viram para ou contra o governo (seja este ou outro qualquer) como se houvesse uma solução mágica ou como se não fossemos, nós próprios, também parte do problema.

A grande dependência que as sociedades de consumo têm da energia proveniente dos combustíveis fósseis tem a ver com uma cultura de desperdício e desresponsabilização que se baseia na ideia que os recursos do planeta são infinitos e que tudo o resto são tretas de ambientalistas.

Naturalmente tendo como pano de fundo os interesses multi-multi-milionários das indústrias petrolífera e do automóvel. Que estão aí para crescer, se possível exponencialmente. Nem que isso implique custos ambientais astronómicos que todos nós já sentimos na pele.

O nosso ADN (ácido desoxirribonucleico!), um sensível conjunto de moléculas que contém as instruções genéticas que coordenam o nosso desenvolvimento e funcionamento, foi formado, ao longo de milhões de anos, em contacto com uma natureza muito diferente daquela hoje existe (urbana, poluída e violenta).

Não está, de todo, preparado para os impactos exteriores a que agora é submetido ficando abertas, por conseguinte, as portas à doença e ao sofrimento. Crescendo, assustadoramente, o número e variedade de cancros e tantas outras doenças civilizacionais.

Realidade pela qual todos nós somos, em maior ou menor medida, responsáveis. Todos nós consumimos, esbanjamos e votámos. Seja através de banhos excessivamente longos, de uma luz acesa esquecida ou de voltas e mais voltas desnecessárias de carro. Ou seja votando em políticos sem sensibilidade e/ou respeito pelo ambiente.

A crise energética que hoje se vive bem pode ser o último aviso sério para que passemos, todos nós, a ter outra atitude perante o consumo e assumir um papel mais activo na redução da dependência gravíssima que desenvolvemos em relação aos combustíveis fosseis.

Uma nova cultura e um novo estilo de vida são as chaves indispensáveis. Uma cultura que se centre na nossa condição de seres vivos inteiramente dependentes da natureza e um estilo de vida que respeite e pacifique este nosso – tão mal tratado – ADN.



PEDRO DAMASCENO

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