sábado, outubro 22, 2005

CRISE MOLE

A crise não é dura. É mole!
João César das Neves




CRISE MOLE




Como dizia há dias um elemento contestário das Forças Armadas na televisão: “querem sonegar cidadania aos cidadões....cidadães...!?.”. Ou seja: está bem que se corte nas despesas e se aperte no rigor desde que não me atinjam a mim.

Ou então a cara de pau que certos senhores afivelam quando nos dão, na televisão, severas descomposturas sobre o despesimo português enquanto abundam estatutos e reformas milionárias para alguns e benesses incompreensíveis para muitos outros.

A crise tornou-se um facto banal com que todos lidam, mais ou menos bem. Tirando aqueles que pouco ou nada tinham e que ainda ficaram pior não conseguindo, como agora se diz, dar a volta por cima.

Só assim se percebe que as medidas tímidas e cautelosas que o governo tem vindo a tomar causem tantos e tão irritados protestos, fundamentalmente, em quem sente que perde privilégios e regalias.

Protestos, essencialmente, de bem empregados – não de desempregados.

Não protestos de quem está no aparelho produtivo e que nunca usufruiu desses privilégios e regalias. Não de gente que tem a sua capacidade de sobrevivência, realmente, ameaçada.

“Portugal nunca esteve, ao mesmo tempo, tão rico nem tão pobre como hoje – nem tão corrupto.”

Realidade bem patente no ambiente de carnaval, desperdício e corrupção que se viveu nas últimas autárquicas. Qualquer observador desprevenido não teria tido a mais pequena hipótese de perceber que estamos num país em crise.

Uma crise que é muito mais de cidadania e de valores do que de raíz económica. Uma crise que muito pouca gente leva a sério, seja no seu posto de trabalho ou seja na sua intervenção cívica e política.

Estamos todos muito mais preocupados com direitos do que com obrigações. Estamos muito mais atarefados em descobrir novas formas de obter dinheiro fácil e “subir” na vida do que encontrar caminhos de responsabilidade e solidariedade.

Sendo certo que os problemas económicos existem e têm âmbito internacional não é menos certo que são, apenas, um dos aspectos que explicam os graves problemas estruturais que afectam em Portugal.

E não é lícito nem justo atribuir os males, essencialmente, aos políticos. Os políticos são portugueses como os outros, com todas as suas virtudes e defeitos. Político que não vá na onda que se vive em Portugal não tem condições para sobreviver.

Político sério, rigoroso e corajoso não pode ir muito longe. Porque toda a gente foge disso como o diabo da cruz! Interessa é o caldo do porreirismo e do laxismo, interessa é cobrirmo-nos todos com a mesma manta.

Para depois bradarmos, em uníssono, contra a tenebrosa crise que ameça tirar-nos privilégios e regalias. Terrível crise que, ao fim e ao cabo, é um excelente alibi para não crescermos e agarrarmos o toiro pelos cornos.

Pobre crise que, afinal, é bem mole!




PEDRO DAMASCENO

1 comentário:

milhafre disse...

Parabens! Há muitas verdades que tem de ser ditas, mas tb há muita gente que não as quer ouvir.