FACE
OCULTA
«Um macaco, por muito bem vestido que esteja, não passa de um macaco bem
vestido»
John Smith
O TRAJE E O MODO
O 25 de Abril trouxe para o Pico,
como para o resto do país, uma indiscutível arrancada para a modernidade e para
o desenvolvimento.
Acordando de uma modorra centenária,
a ilha começou a conhecer outros horizontes, evoluindo de uma situação em que
quase todos não tinham nada para se tornar numa comunidade que já experimenta
apreciáveis níveis de conforto e bem-estar.
Com o aumento exponencial de
empregos na função pública e na banca e com a melhoria substancial em sectores
da população. Recursos que inicialmente se reflectiram em bens essenciais como
casas de banho e melhores condições de habitualidade.
Contudo, após uma fase inicial de
euforia democrática e equalitária, começou a surgir uma nova classe social
marcada por uma capacidade financeira apreciável para o meio e que encontrou
numa euforia consumista já mais preocupada com as aparências e o status.
Evolução que naturalmente não foi
acompanhada por correspondente melhoria escolar, civilizacional e cultural.
O carro, o vestuário, a parabólica,
etc., vieram, cada vez mais, a impor-se como sinais externos desse novo status
que passou a depender, por isso mesmo, essencialmente desse tipo de bens por se
afirmar. As aparências passaram a constituir, de forma crescente, o fulcro das
preocupações sociais em detrimento da procura de valores existenciais mais
virados para o desenvolvimento pessoal e do espírito.
Circunstancia que foi deixando a
tradicional e sã cortesia dos picoenses, progressivamente, confinada às pessoas
de mais idade e sobretudo das freguesias. As poucas iniciativas comunitárias,
quer de carácter cultural (teatros, filarmónicas, etc.) quer mesmo de carácter
religioso (grupos paroquiais p.e.), decresceram de maneira extremamente
preocupante dando lugar à cultura da pastilha elástica mastigada de boca aberta
e ao autismo social.
Coisas, tão simples e elementares,
como bom dia ou boa tarde tendem a desaparecer do nosso quotidiano,
ironicamente, em pequenas comunidades como o Pico em que praticamente toda a
gente se conhece, perdem-se os hábitos de convívio personalizado que há muito,
infelizmente, se perderam nas grandes cidades. Situação que não reflecte evolução
ou desenvolvimento mas simplesmente retrocesso.
Sem se questionar, bem antes pelo
contrário, a importância do desenvolvimento e da correlativa melhoria das
condições de vida das pessoas torna-se, contudo, imprescindível defender que
esses avanços sejam acompanhados por um correspondente amadurecimento cívico e
cultural. Combate que terá que ser, em primeiro plano, protagonizado pelas
escolas que não se podem limitar a ser apenas sítios aonde se transmitem,
melhor ou pior, os currículos escolares oficiais.
As escolas, para cumprirem
integralmente o seu papel, terão pois que suprir os déficites educacionais e
culturais dos alunos. Não basta ter apenas um nono ano ou um décimo primeiro
nas escolas do Pico. É preciso que a este nível educativo corresponda um
correlativo conjunto de regras cívicas e de cortesia, de nível cultural e,
mesmo, de higiene pessoal.
Bem dizia o povo que o “hábito não
faz o monge” mas talvez nunca tanto como hoje esse ditado singelo é ignorado. E
misturam-se os conceitos de tal modo que qualquer macaco bem vestido passou a
poder dispor de estatuto social enquanto que um ser humano mal vestido passou a
poder ser tomado por macaco!
É bom que haja asseio pessoal e
estética no vestir porque embora o hábito não faça o monge é sempre bom que o
monge use o hábito.
Que viva o traje mas que não se
esqueça o modo.
P
E D R O D A M A S C E N O
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