terça-feira, novembro 15, 1994

OS CAPADORES DA ILHA (II)


FACE OCULTA


OS CAPADORES DA ILHA (II)
OU
A MÃE DE TODAS AS CAPADELAS


Infelizmente os últimos acontecimentos confirmaram os nossos piores temores e vêm, mais uma vez, dar o nome a esta crónica.

Como se já não nos bastasse todos os nossos déficites de desenvolvimento são, agora, as próprias bases, prévias e indispensáveis, para que ele, finalmente, arranque que nos são negadas. Como se fosse possível construir qualquer edifício, minimamente estável, sem fundações.

Mas o que mais magoa e desanima é a revogação, à última hora, de compromissos formal e publicamente assumidos. Ontem foi o bloco cirúrgico do Centro de Saúde de São Roque, hoje é o alargamento da pista do Pico. E se há estrutura cujo devido e adequado dimensionamento merece consenso dos picoenses - políticos da situação e oposição, deputados, autarcas, empresários e público geral – é exactamente o alargamento da pista.

E, contradição das contradições, é precisamente essa estrutura que é retirada do Plano de Orçamento para 1995 do Governo Regional dos Açores e, o mesmo é dizer, para muitos anos. Por que ninguém se iluda: se esse objectivo for, agora conseguido não vamos ter alargamento de pista por muitos anos. E porquê? Porque essa opção não é inocente muito menos de caracter económico e transitório e vejamos porquê.

Em primeiro lugar porque na elaboração de qualquer plano a primeira coisa a ter em linha de conta é o elenco das prioridades. E não há dúvida que no topo desse, está, para o Pico, o alargamento da pista. E isto mesmo tem sido por toda a gente e nomeadamente pelos autarcas que, de forma perfeitamente unânime, o têm afirmado repetidamente em público.

Em segundo lugar terá de ter em conta o montante dessas prioridades e o alargamento da pista – no montante da ordem dos 300 mil contos – é perfeitamente comportável mesmo para um orçamento restritivo. Sobretudo se tivermos em linha de conta que a Ilha do Faial – como menos população, um terlo do tamanho e com um conjunto de estruturas muito mais alargado e valioso – vai receber neste orçamento uma verba superior à do Pico que se aproxima do valor que seria necessário para alagar a nossa pista!!...

Em último lugar, tratando-se de um orçamento de uma região insular, terá de ter em conta uma filosofia que venha diminuir e esbater as assimetrias regionais. Preocupação que fundamente o próprio regime autonómicos. Para que nos serve uma autonomia que em vez de nos defender de um poder central discriminatório e preconceituoso venha, ela própria, criar e consolidar assimetrias?

O alargamento da pista do Pico é hoje a prioridade número um para o desenvolvimento desta ilha. Doa a que doer e cause os engulhos que causar.

O canal Pico-Faial, pese embora a sua grande importância, não pode nem deve substituir um aeroporto adequado como uma pista bem dimensionada. Disso dependerá a curto, médio e longo prazo do desenvolvimento da Ilha. Sobretudo se tivermos em atenção que se trata de um investimento extremamente modesto em virtude dos enormes benefícios que vai, indiscutivelmente trazer.

Embora não podendo comparar as duas situações não deixa de ser interessante reflectir sobre os investimentos faraónicos que a Ilha da Madeira tem vindo a fazer e vai continuar a fazer para ter um aeroporto adequado às suas necessidades. Porque os madeirenses já perceberam que, para eles, se trata de uma estrutura imprescindível para o seu desenvolvimento, mesmo que tenham de construir pilares para fazer uma pista sobre o mar! Verdade que é universal dado que nenhuma ilha poderá aspirar, hoje em dia, a um desenvolvimento sustentado e consequente sem um aeroporto satisfatório.

Enquanto para a Pista do Pico se reivindica somente uns reduzidos metros de asfaltagem mas que virão a fazer diferença.

É ridículo questionar em 1995 e em sede de orçamento regional essa necessidade vital da ilha. De modo que a explicação só pode ser encontrada nos capadores da ilha que andam por aí de lâmina em riste e não desistem. Não há outra lógica que possa explicar semelhante decisão.

Cabe a palavra, agora, aos políticos nomeadamente aos deputados e presidentes de câmara da Ilha do Pico. Só eles poderão fazer inflectir o sentido da decisão tomada o que não deixará, por isso mesmo, de ser um teste decisivo sobretudo para os actuais presidentes de câmara que têm procurado pautar a sua actuação por uma perspectiva de ilha, pondo de lado as capelinha, mas que agora enfrentam um desafio realmente sério até porque terão que, de algum modo, de pôr em causa o governo que apoiam.

Mas, desde já, uma coisa é certa: a decisão de excluir do plano de 95 o alargamento da pista do Pico é a mãe de todas as capadelas a que esta ilha tem estado sujeita.


P E D R O  D A M A S C E N O

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