FACE
OCULTA
«Os capadores da Ilha estão aí de
faca afiada»
Manuel Serpa
OS CAPADORES DA
ILHA
Muito
desiludidos quase todos nós andamos com os políticos, quer da situação quer da
oposição. Por isso é sempre bem-vinda uma pedrada no charco desta nossa
política regional e ilhoa: apática, morna e viscosa.
E foi por isso
mesmo que o deputado picaroto Manuel Serpa fez na sua última intervenção no
período de antes da ordem do dia na Assembleia Legislativa Regional. Despindo
as peias partidárias e eliminando as palavras poéticas delicodoces do discurso
de agradar-ao-ouvido-mas-não-arranhar-ninguém leu em texto vigoroso e directo –
de arrepiar.
Sem perder a
elegância chamou os bois pelos seus nomes e pronunciou palavras viris como o
basalto rude dos nossos mistérios e sólidas como natureza altaneira e
exuberante.
Um discurso que
todos os picoenses, aqui ou por esse mundo fora, deveriam ler e reter. Um
discurso que se preocupou com causas profundas do nosso presente baço e com as
razões da diáspora que nos continua a sangrar incessantemente.
Porque o que aí
se diz tem muito a ver com a nossa ancestral castração colectiva e muito pouco
habitual choradinho das reivindicações que passamos a vida a fazer com a mesma
atitude do pobre, de prato de alumínio estendido à caridade pública, ou do
deficiente, que exibe publicamente o seu aleijão, esperando almejada esmola.
E nada poderá,
efectivamente, mudar enquanto os picoenses não perceberem que o que tem estado
e está em marcha é um processo de castração, insidioso e constante. E não forem
capazes de perder a mentalidade de parente pobre, venerador e obrigado.
O Pico é hoje
uma ilha de grande valia no contexto dos Açores do mesmo modo que estes são uma
grande valia no contexto europeu.
Porque o que nós
temos para oferecer – tranquilidade, segurança, ruralidade autêntica, natureza
quase intacta – são coisas que escasseiam por todo o lado num mundo que,
inexoravelmente, caminha para a exaltação dos seus recursos naturais e o mesmo
é dizer se afasta, irreversivelmente, do habitat natural para que estamos
adaptados e que é condição imprescindível para o nosso equilíbrio físico e
psíquico e, por isso, para nossa saúde e felicidade.
E se hoje temos
apenas 15.000 habitantes – argumento tantas vezes utilizado para nos negarem o
direito à saúde, à educação e à cultura para não falar do resto (aeroporto,
protecção marítima, estradas, etc.) – isso deve-se não à falta de condições da
Ilha para gerar riqueza e para cá manter os seus filhos mas aos déficites de
desenvolvimento mantidos a partir de fora por estrangulamentos propositadamente mantidos.
Só assim se
podem explicar as sucessivas omissões e desastradas decisões que têm abatido
sobre a ilha. Como já noutra crónica se disse o Pico tem tudo e não tem nada!
Tem três centros de saúde e um sistema de saúde que não funciona (que o diga
que já precisou mesmo para o acontecimento mais normal da vida de uma pessoas
que é o nascimento do filho), uma pista amputada numa zona em que o crescimento
poderia ser quase indiscriminado, dois portos insuficientes com um terminal de
passageiros vergonhoso, uma rede de estradas que desafia as do Koweit a seguir
à guerra do Golfo, um cardeal camerlengo transformado em escola secundária!
Por muita que
seja a incompetência não dá para acreditar que tudo seja apenas coincidência.
Os capadores da ilha – de facto – existem, são muitos e andam de faca em riste.
Não se trata de um delírio persecutório e barrista de velhos baleeiros em
andropausa ou de funcionários públicos desocupados em tertúlias de fim de tarde
enevoadas. O que se passa é o drama da ilha que foi decretada para se medida
apertada ou da ilha que é medida pelo balaio em vez de rasoira, como também
disse o deputado picaroto.
Mas quem são,
afinal os capadores da ilha? São muitos, têm muitas caras e existem a todos os
níveis: governo, partidos, associações de vária ordem, organismos oficiais,
etc. todos se conhecem. E, atenção, há capadores da ilha em todos os partidos
para que conste e não se tente desvalorizar esta magna questão com
subterfúgios.
O Pico tem, pese
tudo e todos, pernas para andar e isso assusta muito boa gente cuja
sobrevivência passa pela manutenção do actual estado das coisa. Um Pico
finalmente transformado m Ilha Maior que não seja apenas de poetas e cronistas
faz medo a quem lhe chamou hipocritamente
ilha do futuro.
E isso fez um
amuleto para exorcizar qualquer veleidade de desenvolvimento da ilha do
verdelho e dos baleeiros que, assim, continuaria para sempre uma coutada
etnográfica.
Alguém afirmou
que os próprios déficites de desenvolvimento podem constituir-se em grandes
oportunidades de negócio. O Pico está nestas circunstâncias: tem grandes
oportunidades, apenas é preciso que nós acreditemos em nós próprios e saibamos
identificar e combater de forma viril, que não apenas nas palavras, quem nos
persegue de faca afiada.
Mas que ninguém se iluda: “Os capadores da
Ilha estão aí de faca afiada.”
P
E D R O D A M A S C E N O
Sem comentários:
Enviar um comentário