sexta-feira, setembro 30, 1994

INATELGATE


FACE OCULTA


INATELGATE OU UMA BARRACADA À PORTUGUESA



Se não bastasse o martírio do nosso desenvolvimento, sempre condicionado pela nossa endémica mansidão e pelo medo que desperta noutras ilhas e nos seus grupos de pressão, foi o Pico agora brindado com um acontecimento que ultrapassa as raias da normalidade para se atirar para o mais puro surrealismo: o caso do Hotel do Inatel.

Depois de tudo feito, menos a obra, voltamos à estaca zero.

Após o esforço e o empenhamento da Câmara da Madalena que se abalançou a um investimento imobiliário significativo, do projecto ter sido executado, a obra abjudicada e lançada – com pompa e circunstância e com a presença do Ministro da República – a 1ª pedra foi, subitamente e de forma inesperada, tomada a decisão de já não fazer a obra!

Posto que os dados que fundamentaram a decisão de fazer a unidade no Pico não se alteraram nem constatar que o Inatel tenha ido à bancarrota, cai-se na maior perplexidade e numa situação que deve ser a única a nível do país: um investimento é anulado exactamente na grelha de partida e quando todas as despesas preliminares – e são muitas – já estão feitas!

Situação que à partida permite formular, essencialmente, dois cenários:

1º- Uma complexa e total incompetência e irresponsabilidade de quem liderou o processo até esta fase e que sendo este que tal modo errado e anti económico levou a que alguém mais avisado e sensato decidisse anular tudo o que estava feito e assumir vultuosas verbas já despendidas como prejuízo irrecuperável.

2º- Uma mudança de decisão que não deve ter a ver com alteração de qualquer das premissas existentes mas apenas com pressões políticas e/ou outras que foram exercidas no sentido de conduzir o investimento para outras paragens.

Em qualquer dos cenários ressalta, desde logo, a completa falta de respeito do Inatel para com o Ministro da República e outras entidades intervenientes nomeadamente a Câmara Municipal da Madalena que foram reduzidos à condição – e pede-se desculpa pela rudeza da expressão – de palhaços. O ministro da República porque veio com o seu peso institucional dar pompa e importância ao arranque do empreendimento, a autarquia locar porque se empenhou – totalmente desde a primeira hora – numa iniciativa que considerou importante (e que sem dúvida é) para o desenvolvimento do concelho da ilha, tendo mesmo investido uma avultada verba na compra dos terrenos.

Uma vez que o primeiro cenário é quase inverosímil ficamos, em termos práticos, a braços com o segundo. Porque embora o Inatel sofra dos vícios de coisa pública, não acreditamos em tanta incompetência.

Entretanto, e como normalmente acontece nestas coisas, surgiram os mais variados boatos que vão desde a intenção de fazer a construção do hotel na Ribeira Grande – São Miguel ou na Madeira as dificuldades financeiras do Inatel. Hipóteses que poderão ter algum fundo de verdade mas que não são fundamentais para o teor desta análise.

Porque o que, de facto, importa analisar é a gravidade da decisão que foi tomada e a forma como o volte face se deu e, sobretudo, a reacção que teve se ser adoptada. Ainda ecoam os últimos acordes da “guerra” do bloco operatório do Centro de Saúde de São Roque e já está o Pico a braços com nova machadada.

O que se está a passar com a construção do hotel do Inatel no Pico é – para chamar os bois pelo seu nome – inconcebível, inaceitável e maximamente ultrajante para com esta ilha e os seus habitantes, para com os seus representantes legitimamente eleitos e para o representante do Governo da República da Região.

É uma cabala ordinária e sórdida que só poderá ser levada ai fim num sítio aonde toda a dignidade tenha sido perdida e já não exista o sentido do dever e da honra.

As primeiras reacções dos responsáveis autárquicos de ilha e da oposição foi adequada e expectante mas é fundamental que os responsáveis políticos se apercebam que a guerra do Inatel terá que ser uma guerra total e sem tréguas. Uma guerra que ponha toda a gente que não é do Pico, incluindo o Governo Regional, a perceber que a única saída para a crise é o cumprimento integral do que estava planeado, acordado e decidido.

Porque qualquer fraqueza que os picoenses, nomeadamente os políticos, demostrarem neste caso será sempre extrapolada para o futuro, seja ele alargamento da pista, escola da Madalena ou protecção da orla marítima da Lajes.

O caso do bloco operatório de São Roque foi, provavelmente, apenas o ensaio geral em matéria de defesa dos interesses do Pico.

Porque todos os argumentos que, porventura (?), existam para não fazer a obra do Inatel deviam ter sido analisados a seu devido tempo, nunca agora. E toda a posição dos picoenses que não leve à reposição integral do que estava para se fazer será sempre uma derrota.

O Pico terá de demonstrar, uma vez mais, que deixou de ser cordato e apaziguador, mesmo quando o espezinham, e de demonstrar que também é filho de boa gente.

As presentes autarquias picoenses têm dado sinais que percebem que o seu grande desafio é o da unidade de ilha e que os objectivos do desenvolvimento e da sua própria sobrevivência política passa por unirem fileiras, mesmo contra o governo do seu partido. Porque há coisas que têm que estar acima das balizas partidárias.

Espera-se que, agora, estejam à altura de assumir – de forma completa – este novo desafio. Porque o problema do Inatel da Madalena não é um problema daquele concelho, é um problema do Pico já que tem a ver com o desenvolvimento global da ilha e também porque é, porventura, mais um teste e até mesmo uma rasteira para, novamente, tomar pulso aos picoenses. Se hoje dermos o dedo ou mesmo a mão, amanhã teremos que dar o resto. Foi isto que a nossa história nos tem ensinado.

Que o Inatel e quem mais esteja por trás desta história ridícula sinta que entraram num caminho sem retorno. Tudo deve ter o seu tempo e a sua oportunidade e ambas passaram há muito neste caso que nos entristece e revolta. Naturalmente qualquer entidade Pública ou Privada tem o direito de fazer os seus investimentos aonde lhe parecer mais adequado. Mas não podemos, em circunstância alguma, esquecer as regras básicas porque se deve reger uma sociedade democrática e de direito.

E tantas vezes a distância entre a liberdade e a burla é bem pequena!


P E D R O  D A M A S C E N O


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