sexta-feira, agosto 05, 2011

Apocalipse Virtual - Um cancro social

Os blogues tornaram-se em tribunas de ódio e bílis, a coberto do anonimato
TIM ADAMS



Apocalipse Virtual
Um cancro social?




Considerar Anders Breivik, o assassino norueguês, simplesmente um psicopata perigoso ou o mero resultado de uma sociedade em decadência são explicações excessivamente simplistas.

O que aconteceu em Oslo foi demasiado grave e complexo para ser arrumado numa gaveta etiquetada.

Possivelmente Anders é tão psicopata como terão sido Hitler, Estaline ou Pol Pot. E a sociedade norueguesa não é certamente mais neurótica do que a Alemanha do III Reich, a Rússia dos bolcheviques ou o Cambodja dos kmers vermelhos.

Anders é um exibicionista vaidoso e arrogante, desprovido de qualquer sentido de empatia, capaz de actos extremamente violentos sem sentido de remorso e com um padrão comportamental muito desviante.

Podendo, por essa via, ser considerado um psicopata mas sem esquecer que nasceu e cresceu no seio de uma sociedade pacifica e culturalmente evoluída sem uma historia familiar ou pessoal particularmente violenta e/ou complicada, sem que o seu comportamento desviante tivesse sido identificado.

Tendo conseguido, além disso, obter, nessa sociedade, componentes para fabricar explosivos, armas e munições com aparente grande facilidade. E tendo, simultaneamente, conseguido fazer treino de manipulação de armas e de tiro num ambiente de “normalidade”.

O que levou a que o grande factor de perturbação seja que o terrorista nórdico é um dos “nossos” - branco, loiro, instruído e de origem cristã – bem nas antípodas do terrorista suicida de aspecto semita, primário e com convicções islâmicas radicais.

A barbárie atingiu em cheio o nosso próprio núcleo duro – democrata, tolerante e culto – sob a forma de um “cruzado” de aspecto viking que actuou em função de um “Plano” de 1.500 páginas que laboriosamente escreveu ao longo de dois anos e em que tenta criar doutrina sobre os males dos multiculturalismo e da ameaça islâmica ao Ocidente.

O norueguês pode até ter actuado sozinho mas não esteve sozinho ao longo do período de incubação dos seus actos criminosos. Foi bem acompanhado e industriado por blogers americanos e europeus que constituíram o núcleo duro da sua teorização.

Como escreveu Pedro Bacelar de Vasconcelos o pretenso “cruzado cristão” que semeou o terror em Oslo é simultaneamente o cavaleiro e a vítima do apocalipse virtual diariamente anunciado através dos média. Tendo entrado num processo de des-individualização que o anonimato da Internet permite e fomenta.

A nossa sociedade – da insolvência das dívidas soberanas, do declínio demográfico e da decadência económica – tem vindo a perder, perigosamente a sua homeostase. Ou seja a sua capacidade de manter um equilíbrio dinâmico que impeça a proliferação de ameaças à sua própria sobrevivência.

Em muito idêntico ao que se passa com o nosso organismo que, através do sistema imunitário, impede que as ameaças constantes que sofremos se concretizem em doença e, sobretudo, em cancro que no essencial é uma perturbação incontrolada e incontrolável da divisão celular que é base da própria vida.

O nosso “sistema imunitário social” está claramente abaixo dos mínimos necessários para evitar verdadeiros cancros sociais como o de Oslo sendo incapaz de assegurar o equilíbrio-harmonia-homestase da nossa cultura.

Essa é a grande lição a retirar da tragédia norueguesa. Que pode acontecer em qualquer outro lado deste nosso mundo em que o virtual e o real se confundem e em que a des-individualização tanto permite insultar grotescamente um primeiro-ministro como matar, indiscriminadamente, transeuntes inocentes.

Sendo irrelevante se o “cruzado viking” é doido ou não.



PEDRO DAMASCENO

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