FACE
OCULTA
«A
burocracia é a antítese da democracia»
Go Grimmond
O REVIVALISMO
BUROCRÁTICO
Durante algum
tempo, pouco, chegou a parecer que a modernização administrativa tinha,
finalmente, chegado a Portugal. Houve mesmo um anúncio, profusamente passado na
televisão, em que o martelar estridente dos carimbos era substituído pelo
sussurro sibilante dos computadores. O homem da pala e das mangas-de-alpaca
era, com pompa e circunstância, substituído por jovens – atraentes, simpáticos
e eficientes.
Chegou, mesmo, a
haver alguns decretos governamentais que deram um toque de mudança como foi o
caso da abolição do papel selado e da obrigatoriedade do reconhecimento
notarial dos atestados médicos. Antecedidos de preâmbulos que criticavam os
maus hábitos da administração pública e apontava para a «despenalização»
burocrática do cidadão comum, soterrado sob uma avalanche de regulamentos.
Pretendia-se,
até, que a vida passasse a ser muito facilitada a quem demandasse as mais
variadas repartições públicas. O funcionário público era solicitado a prestar
um atendimento correcto, cooperante e eficiente. Pretendia-se eliminar a ideia
de que o cidadão é, à partida, um prevaricador e um empecilho e reforçar o
conceito de que, bem pelo contrário, deve ser considerado uma pessoa de bem e
merecer um tratamento adequado.
Parecia que os
burocratas – profissionais da complicação e do enrolamento – tinham perdido a
partida. O país parecis estar em vias de modernizar um sector que é fundamental
ao correcto funcionamento da democracia. Já que a democracia, plena e avançada,
é incompatível com burocracias esclerosadas e esclorosantes. A administração
pública numa democracia plena tem de se reger por princípios de acesso, rápido
e universal, do cidadão comum à informação de que necessita e de mecanismos,
igualmente rápidos e eficientes, para a solução dos seus problemas concretos.
De pouco vale o
recorte progressista da constituição se, na prática, o cidadão comum não puder
usufruir de toda uma série de direitos que lá estão prescritos mas que esbarram
com uma barreira intransponível de procedimentos administrativos inadequados e
incompreensíveis para a generalidade das pessoas. Bem podem criar-se mais e
mais mecanismos de defesa do cidadão e instituições que teoricamente velam pelos
seus interesses, que nada adiantarão se não tiverem um suporte administrativo,
claro e expedito.
Sobretudo se
tudo isto acontecer em Portugal, país em que o grau de semi-analfabetismo é,
ainda, extremamente significativo. Os aspectos formais do sistema jurídico
português, por muito avançados que sejam, não servem de qualquer consolação a
um cidadão que não lhe compreenda os complexos meandros e que não disponha de
escolaridade e meios suficientes para os poder reivindicar.
A burocracia só
serve para manter empregos desnecessários para retirar, através dos papeis, a
possibilidade do cidadão comum aceder a um conjunto de direitos e prerrogativas
que, teoricamente, lhe cabem, lhe cabem. O pleno usufruto dos direitos,
liberdades e garantias do cidadão só pode ter lugar quando a administração for
simples, rápida e eficiente. As intermináveis bichas de pessoas que, nas
repartições públicas, mendigam uma informação e um atendimento minimamente
desembaraçado continuam a ser um dos aspectos salientes da nossa vivência
colectiva, passados quase 20 anos da abolição do antigo regime.
Mas tudo leva a
crer que, mais uma vez, tudo não passou de, eventuais, boas intenções. A
burocracia aí está, plena de força. As repartições públicas continuam a ser
aquilo que sempre foram, um purgatório antecipado para quem tem como único
pecado o ter nascido numa república das caraíbas, ainda que vestida de
roupagens europeias.
É só ver os
pobres dos velhotes a arrastarem-se de seca para meca e de meca para seca para
resolverem questões elementares que nem sequer deviam existir.
O revivalismo
burocrático é mesmo um facto. Tem um grande aliado – a crise. Cobrem-se com a
mesma manta, como diria o povo.
P
E D R O D A M A S C E N O
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