quinta-feira, setembro 30, 1993

A ARMADILHA DOS GOLFINHOS


FACE OCULTA


A ARMADILHA DOS GOLFINHOS



Embora a malfadada reportagem sobre a caça (?) dos golfinhos nos Açores já tenha feito correr muita tinta e levado à tomada de posições das mais variadas entidades, nunca será demais reflectir serenamente sobre o assunto.

Por várias razões. Desde logo porque se tratou de um trabalho que pretendia defender uma causa de alto teor moral, depois porque foi apresentado na televisão estatal que existe (ou devia existir) para garantir ao público informação isenta de sensacionalismos baratos e finalmente porque se trata de um tema importante e que a todos diz respeito.

E exactamente porque o filme se arrogava a defender valores morais elevados (a defesa da vida de seres vivos indefesos e inofensivos e do equilíbrio ecológico) desde logo era imperativo que o tema fosse tratado como maior seriedade e isenção. A eventual bondade (?) dos objectivos nunca poderia justificar meios menos correctos e/ou verdadeiros.

Por outro lado a RTP sabia ou deveria saber que uma reportagem (?) como a que foi apresentada iria ter uma grande repercussão negativa para o arquipélago quer em termos nacionais quer internacionais. O que, desde logo, deveria ter implicado por parte da RTP, dado o seu caracter oficial, o maior cuidado. A tendência natural do público é para considerar a televisão estatal, ao fim e ao cabo paga fortemente pelo bolço dos contribuintes, como uma fonte fidedigna e merecedora de crédito.

Ora é um dado adquirido que o tudo não passou de una cabala encenada com objectivos que não se conhecem na sua total extensão mas que poderão ter a ver com pressões e interesses internacionais menos límpidos, e que poderão até ter constituído uma forma de chantagem sobre o Governo Regional e a Região.

Vários dos intervenientes açorianos, se não a totalidade, foram induzidos em erro e estimulados para participar em actos que podem ser considerados ilegais, ou pelo menos, altamente irregulares. E quem fez a reportagem sabia isso muito bem. E, mesmo assim, não tiveram qualquer pejo em utilizar pessoas de boa fé e hospitaleiras. Sem atender aos prejuízos e dissabores que isso poderia vir a causar.

Durante muitos anos a caça e consumo de golfinhos foi uma prática perfeitamente legal nos Açores. Em algumas ilhas a carne de toninha era mesmo considerada um petisco especial, possivelmente como o consumo de cães ou de gatos na China! Uma questão fundamental de hábito, se se preferir.

Depois da proibição houve quem continuasse a caçar, ocasionalmente, o golfinho. Possivelmente com o mesmo espírito prevaricador com que respeitam os sinais de trânsito ou os limites de velocidade. Infracções que têm de ser vistas num contexto cultural em que o golfinho, com todo o respeito, é tido um peixe como outro qualquer, sem qualquer outro privilégio especial.
 De modo que a fazer uma reportagem sobre o tema teria que ter havido por parte dos autores a preocupação de ter filmado situações autênticas e não ter encenado farsas como foi o caso do restaurante ou mesmo da própria morte da toninha. Ou a tê-lo deveriam ter, antecipadamente, avisado que se tratava de cenas encenadas e montadas para tentar reproduzir o que os autores imaginaram que fosse a prática comum nos Açores.

A reportagem apresentada na RTP foi uma farsa ignóbil que não veio beneficiar nenhuma causa nobre.

A caça à toninha nos Açores é, hoje em dia, uma prática clandestina e em vias de extinção. Tudo o resto são mentiras descaradas de que não respeita nada, nem a dignidade das pessoas nem a idiossincrasia açoriana.

Não está, minimamente, em causa a ideia de que a caça do golfinho deva ser apoiada ou defendida. Nada disso, o golfinho é um mamífero simpático e amigável, nosso companheiro de rota nessa complexa jornada que é a vida e que connosco partilha, de forma positiva, um habitat imprescindível à nossa própria existência.

O que está em causa é um mau jornalismo e uma profunda falta de ética profissional e humana.


P E D R O  D A M A S C E N O



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