quarta-feira, setembro 15, 1993

Os Dilemas do Mundo Moderno


FACE OCULTA

«A história sugere que o capitalismo é uma condição para a liberdade política. Não é, claramente, uma condição suficiente.»
Milion Friedman


OS DILEMAS DO CAPITALISMO MODERNO


As súbitas (?) e graves dificuldades com que se defronta o capitalismo, à escala mundial, revelam bem as suas fragilidades estruturais. Não só ninguém previu o actual estado de coisas como menos a sua severidade.

Uma Europa que se prepara para um casamento entre estados membros, com pompa e circunstância, vê-se, de um dia para o outro, com o espectro do desemprego galopante e a perspectiva de uma comunidade a várias velocidades.

De uma penada, o SME (Sistema Monetário Europeu) leva um golpe mortal e o futuro, pelo menos a médio prazo, da UEM (União Económica e Monetária) está claramente em causa. O que ontem parecia inevitável e ao virar da esquina está, hoje, quase no campo da utopia.

Objectivos considerados fundamentais pelos europeus para o seu desenvolvimento e equilíbrio entram, assim em hibernação. Tão somente porque as economias mundial e europeia entraram numa recessão grave, impedindo a concretização de metas ainda há um ano consideradas realistas.

Os próprios gigantes (Japão, USA e Alemanha) tremem.

Arrumado o papão comunista, ficou o capitalismo a braços com os seus reais problemas e que não são poucos nem pequenos (desemprego, baixa do poder de compra e mesmo fome, ambiente, racismo, xenofobia, guerras, etc.). E sobretudo começa a entrar em crise grave a menina dos olhos das democracias europeias avançadas: o estado providência. A própria Alemanha começa a elencar a redução de benefícios dos seus cidadãos.

Depois da euforia moneteirista de Reagan e Thacher, chegaram as respectivas facturas que não serão fáceis de pagar. Sobretudo porque se criou, entretanto, uma geração que apenas acredita no sucesso económico fulminante e que não quer esperar e muito menos apertar o cinto. Conquistaram-na para a religião do cifrão e, como todas as religiões, tem a força do dogma.

Falhadas as receitas tradicionais para a crise (aumento de impostos, diminuição do aumento de salários, redução de benefícios sociais e do consumo) num mundo que cada vez mais, e felizmente toma consciência da natureza limitada dos recurso naturais de que dispomos, novas perspectivas terão, forçosamente, que surgir.

Perspectivas que terão de ter como plano de fundo uma exaustiva reflexão política sobre os objectivos finais que se se pretendem e a partir daí sobre os meios de os atingir.

Na actual conjuntura já é lícito afirmar que a crise tem carácter estrutural e não deriva, apena, de acidentes de percurso ou de má gestão do partido X ou Y. Por muito incompetente que seja o ministro A ou B.

E, possivelmente, dever-se-á começar por inventariar os recursos naturais disponíveis. De nada servirá planear um crescimento económico que seja incompatível e com a qualidade de vida no planeta.

A seguir será importante pensar em termos de população mundial global. Se os dez milhões de portugueses pouco contam em termos ambientais que dizer dos milhares e milhões de chineses? O planeamento deverá basear-se em números à escala mundial. De que valerá um punhado de europeus prósperos face aos milhares de esfomeados do sul?

Apenas depois será fundamental definir o modelo social a atingir. Modelo que terá de ter em linha de conta as lições da protecção social excessiva das democracias europeias do norte, por um lado, e os excessos liberais dos Reagan-thatcheristas, por outro.

Contudo um cenário parece inevitável: a nova ordem mundial e nacional terá que ser mais equilibrada. As disparidades mundiais, nacionais e regionais terão que ser cada vez menores bem como as diferenças dentro de cada país.

Ao longo cortejo de direitos dos mais variados teores há que juntar, também, os respectivos deveres. Um aumento de direitos tem que ser, necessariamente, acompanhado de um aumento de deveres.

A condição essencial para a paz e o progresso é o equilíbrio. Enquanto perdurarem desequilíbrios significativos entre as nações e dentro destas entre cidadãos será sempre difícil manter um progresso estável.

Equilíbrio que não é sinónimo de igualitarismo basista e acrítico mas sim de igualdades de oportunidades para todos. Único princípio que poderá nortear, com sucesso, uma sociedade no dealbar do século 21.


P E D R O  D A M A S C E N O

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