quarta-feira, março 15, 1995

UMA AUTONOMIA FOLCLÓRICA?


FACE OCULTA
  
A ENCRUZILHADA DO DESENVOLVIMENTO

UMA AUTONOMIA FOLCLÓRICA? 


Se há questão que, nos dias de hoje, parece perfeitamente consensual é a da extrema necessidade que os Açores têm de assegurar o seu desenvolvimento económico como forma de garantir o correlativo desenvolvimento social e cultural. Porque sem a criação de riqueza e consequente auto-suficiência económica jamais os açorianos poderão governar-se a s próprios e a autonomia será crescentemente menos tranquila e mas folclórica.

O balanço do tecido empresarial e das forças produtivas ao fim destes, já largos, anos de autonomia constitucional é francamente pouco animador. Do tempo das vacas gordas, sobretudo dos milhões do 1º quadro comunitário de apoio ficou-nos uma economia regional muito vulnerável, sem uma estratégia clara e sem meios financeiros imprescindíveis à sua expansão.

Situação que é preocupante mesmo nas ilhas de Terceira e São Miguel que, apesar das suas características demográficas inteiramente diferentes do resto do arquipélago e de estarem junto dos centros de decisão regional, não conseguiram, mesmo assim, estruturar, de forma satisfatória, as respectivas economias.

E que se torna menos satisfatória ao constatar-se que a economia açoriana também não foi capaz de criar condições para tomar atractivo o investimento exterior à Região, de proveniência nacional ou mesmo estrangeira. Déficite que se tem vindo a mostrar gravoso face à muito fraca capacidade de investimento privado regional para assegurar ao aparelho produtivo aqueles meios.

Nas ilhas ditas pequenas a situação é bem pior já que a generalidade das empresas locais estão descapitalizada e não se vislumbra sangue empresarial novo suficientemente ousado para vencer a barreira do desencanto e da inércia que se gerou e que deixa as próprias autarquias numa situação muito difícil.

Naturalmente que, à partida, o desafio de desenvolver os Açores era uma tarefa extraordinariamente difícil dada a exiguidade do mercado e a nossa situação ultraperiférica. Somos, e temos que assumir isso sem qualquer complexo, muito poucos vivendo numa área muito pequena, ainda por cima dispersa por ilhas, com muito poucos recursos naturais. Temos contra nós a dimensão, a dispersão, a distância dos grandes mercados e a falta de recursos.

Produzimos muito pouco do que consumimos e para o pouco exportável que produzimos temos, sempre, que contar com o ónus dos transportes e com a competição sofisticada do mercado europeu em que, de forma irreversível, estamos integrados. Se em Portugal o interior (desde Trás-os-Montes até ao Alentejo) continua a desertificar-se e está ali, a dois passos da Europa, o que dizer de nós?

O que temos então? Temos uma região extraordinariamente dotada do ponto de vista natural com índices de poluição muito baixos e com características de segurança e tranquilidade ímpares. Somos um dos últimos, senão mesmo o último, lugares da Europa aonde não chegaram, ainda, as “hortas” de turismo de massa com todo o rol de efeitos deparadores. Somos uma região linda, provinciana e calma. Predicados que muito nos orgulham e nos permitem, quando as condições económicas são adequadas, uma excelente qualidade de vida. De algum modo, e ainda bem, paramos no tempo desta desenfreada correria para o abismo em que se tornaram a generalidade das sociedades modernas.

Mas nada disso, infelizmente, nos garante, por si só, o pão para a boca. Os jovens, a nossa nata e a nossa garantia de futuro, abandonam-nos para procurarem oportunidades de emprego e de progresso. Os velhões envelhecem ainda mais e os assim-assim começam a envelhecer. Os dinheiros destinados a sectores essenciais para o nosso bem-estar com a saúde e a educação começam a faltar perigosamente e, paulatinamente, o desencanto e a falta de perspectivas futuras instala-se em todos nós.

Porque dinheiro não é uma coisa que cai do céu. Ou conseguimos criar riqueza para assegurar a satisfação dos nossos padrões de vida ou teremos que os baixar, drasticamente, a curto prazo. Os dinheiros da comunidade europeia estão cada vez mais difíceis e vão parar, os da base das Lajes já acabaram e os das transferências do orçamento geral do estado para a região vão ser progressivamente mais problemáticos.

Resta-nos, portanto, a nossa própria capacidade e imaginação para conseguirmos encarar os desafios do nosso imprescindível e inadiável desenvolvimento. De nada adiantará escondermos a cabeça na areia. Todos os nossos indicadores económicos são preocupantes e é isso mesmo que o comum dos açorianos vive um momento crucial da sua história: a encruzilhada do desenvolvimento.

Ou somos, nós próprios, capazes de encontrar as soluções e as saídas (independentemente de todas as ajudas e incentivos externos que possamos encontrar e que temos mesmo que encontrar) ou teremos que baixar os braços e aceitar a ideia de que a livre administração dos Açores pelos açorianos foi apenas um sonho inatingível.

Não podemos é fingir que tudo corre menos mal ou arranjar bodes expiatórios para as nossas próprias deficiências.

Um grande esforço conjunto – englobando governo e administração regional, banca, empresários, trabalhadores e população em geral – tem de ser feito. Medidas corajosas e realistas de contenção e rigor orçamental para gastos supérfluos e investimentos não produtivos terão que ser tomadas e terá de ser assegurada a disponibilização de meios financeiros e técnicos para o investimento produtivo. Medidas que terão que ser precedidas e acompanhadas de um grande debate de ideias a todos os níveis desde o político e técnico até à sociedade civil em geral.

O funcionalismo público (com especial enfase para o nível médio e superior) e os políticos terão que deixar de ser os entes privilegiados para serem equiparados aos restantes cidadãos. Terão que passar a reger-se pelas mesmas regras dos cidadãos do aparelho produtivo: só há trabalho e pão se houver produção e a um melhor salário deverá corresponder sempre um menos empenho e uma maior capacidade.

Os açorianos habituaram-se a viver acima das suas possibilidades na crença algo ingénua de que no final haverá alguma entidade acima das suas cabeças que tudo irá resolver. Mas não há. Demos provas, ao longo de 500 anos, de tenacidade, imaginação e espírito de sacrifício bem patentes na nossa sobrevivência. Apenas essas qualidades nos poderão agora, salvar de eminentes hipotecas.

Se assim não for, caminharemos, a passos muito largos, para uma autonomia eminentemente folclórica com o presidente do governo regional e respectivo elenco governativo, porventura, reduzidos a um papel essencialmente administrativo e decorativo.

Sem dinheiro e, o mesmo é dizer, sem meios financeiros não há autonomia que resista, pesem todos os discursos políticos e declarações de intenção, todos os decretos-lei e mesmo a própria constituição.



P E D R O  D A M A S C E N O


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