sexta-feira, abril 28, 1995

Uma questão de sensibilidade

FACE OCULTA 


UMA QUESTÃO DE SENSIBILIDADE E BOM SENSO



Infelizmente mais dois promissores jovens picoenses perderam a visa num trágico acidente de viação. O que vem, mais uma vez, chamar a atenção – para quem quiser ver – sobre os perigos que as estradas escondem, quer seja sob forma de potentes motos quer seja sob forma de um voluntarismo de condução que a maioria dos jovens tem.

Ninguém quer morrer mas poucos pensam, até pela idade, no perigo.

Mas, infelizmente também, não foram apenas duas vidas que se perderam. Foram, também, algumas vicissitudes que as famílias sofreram para poderem passar as derradeiras horas juntos dos seus filhos. O que acabou por ter sido possível apenas porque se conseguiram reunir um conjunto de boas vontades (desde os médicos até à entidade judicial).

Não se questionam, naturalmente, nem a legitimidade nem a competência de quem ordenou a autópsia nem tão pouco se pretende atribuir-lhe culpas +ela falta de condições locais (inexistência de uma morgue com um mínimo de condições) para fazer face – de forma digna – a situações legais incontornáveis.

O que se questiona, isso sim e não pela primeira vez, é a falta de condições locais para responder, de forma digna, a situações excepcionais (a hora tardia do óbito e os condicionalismos extremamente emotivos gerados pela idade dos sinistrados) se junte uma falta de filosofia de fundo que se preocupe em lidar de forma específica com as diversas situações.

Porque se não tivesse sido possível reunir o conjunto de boas vontades que acima se referiram, as jovens vítimas teriam permanecido pelos menos 30 horas encerrados numa garagem a servir de morgue sem poderem ser acompanhados nem sequer pelos próprios pais que se teriam limitado a ver, pela derradeira vez, os filhos mesmo em cima do funeral!

E, no entanto, é de mais elementar justiça poupar pais e amigos e mais essa provação extra. Ninguém tem culpa – nem os que morreram nem os que ficaram - que o acidente tenha ocorrido de madrugada e que portanto o térmito das 24 horas que a lei prescreve ocorra também de madrugada. Mas é importante criar a cultura de suprir, de forma mais célere e expedita, os requisitos legais.

Requisitos legais que têm que ser, indiscutivelmente, cumpridos mas que não têm que, necessariamente, ignorar questões emocionais e culturais da maior relevância.

Nos grandes meios onde tudo é mais impessoal talvez tudo possa acontecer de forma diferente, também mais impessoal. Mas no Pico a ilha ficou literalmente de luto, atordoada na sua pequenez e no seu pessoalismo.

Não é objectivo desta crónica descortinar responsabilidades nem descobrir culpados do que quer que seja. Mas tão somente chamar a atenção para um tipo de situação que já ocorreu e que poderá, infelizmente, vir a repetir-se.

A questão da morgue/morgues (?) do Pico tem que se devidamente equacionada de modo a que no futuro as pessoas possam ter a possibilidade de acompanhar com dignidade os seus defuntos e não terem que, eventualmente, disso serem privados permanecendo, literalmente, à chuva e vento.

A lei tem que ser cumprida mas as pessoas, mesmo depois de mortas, têm de ser respeitadas.

Ao fim e ao cabo é uma questão de sensibilidade e de bom senso e para a qual se chama a atenção dos intervenientes mais responsáveis, nomeadamente do Ministério da Justiça e da Secretaria Regional da Saúde e Segurança Social.



P E D R O  DA M A S C E N O

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