FACE
OCULTA
A CARIDADE DA RTP/A
Não é segredo para ninguém que
existem bolsas de pobreza nos Açores e que os fenómenos de maior marginalização
social ocorrem em São Miguel. São conhecidas as histórias dos “São-miguéis” que
vinham por aí a baixo e que, frequentemente, continuavam marginais nestas ilhas
abaixo.
Com regularidade temos ocasião de
ver nos telejornais episódicos de faca e alguidar que ocorrem em Rabo de Peixe
e outras zonas semelhantes de São Miguel, aonde se constata um nível económico,
social e cultural que dificilmente se encontrará no resto da Região. São Miguel
que, desde sempre, nos habituou a gritantes contrastes sociais que vêm do tempo
de antanho – do Clube Micaelense aos bairros de lata.
E a miséria humana, seja ela porque
for (e tantas vezes existe sem razões objectivas), deve merecer a compaixão de
todos nós. Porque essa é, sem dúvida, uma das virtudes mais importantes que um
ser humano pode ter. E a compaixão – a capacidade de sentir o sofrimento dos
outros – é condição prévia e indispensável para que a solidariedade possa
existir.
Solidariedade que durante muitos
anos, no tempo negro da ditadura, ficou praticamente entregue às instituições
de beneficência e de solidariedade social à esmolinha que cada um de nós ia
arranjando para tentar suprir, no imediato, faltas gritantes. Durante muitos
anis Portugal teve um exército de pedintes – no verdadeiro sentido do termo –
que não tinham outra hipótese do que estender a mão à caridade.
Com o virar da página do advento da
democracia o país não passou, de repente, a rico mas as oportunidades sociais e
de trabalho passaram a ser completamente diferentes e a segurança social –
apesar de todas as suas limitações – veio trazer resposta a muitas situações
desesperadas.
Depois veio a autonomia, a integração
europeia, os incentivos comunitários e, brevemente segundo dizem, virá a moeda
única. Portugal e os Açores saíam, finalmente, do getho em que o fascismo os
tinha mantido.
Mas – e todos que querem ver sabiam
– os problemas de pobreza e exclusão social não tinham sido erradicados nem de
Portugal nem dos Açores. Problemas que, hoje, estão relacionados, também, com
questões novas como é o caso da droga. Por isso se tem formado todo o tipo de
comissões e o próprio ministério mudou de nome para solidariedade social.
Esperámos nós que a região
estivesse, também, no caminho da solução para esse tipo de problemas. Solução
institucional e tecnicamente enquadrada como é de esperar numa sociedade
democrática e solidária.
Quando não é, portanto, o nosso
espanto em vésperas deste Natal, vemos a
televisão estatal vir pedir esmola pública em nome de um conjunto de
imagens, deprimentes com que nos tem brindado todos os dias!
Sem questionar a melhor das
intenções dos locutores que fazem os apelos do programa PARTILHA, o assunto é
da maior gravidade e não pode de deixar de ficar qualquer cidadão lúcido de
boca aberta.
No ano da graça de 1995 vem a
RTP-Açores fazer peditório em nome de situações que não podem existir – a menos
que haja graves falhas do sistema – numa sociedade moderna e integrada no
espaço europeu! Passando de uma cajadada a um atestado de incompetência e
incapacidade às autoridades regionais e de parvos aos telespectadores que são
supostos começarem em depositarem dinheiro em contas bancárias para suprir –
ninguém sabe como – situações que são da
responsabilidade do estado que tem obrigação de assegurar a todos os cidadãos
condições de vida condignas e igualdade de oportunidades. Para isso pagamos
cada vez mais impostos.
Sem contestar a verdade dos casos
apresentados e a urgência de uma solução (mas de fundo apenas conjuntural), é
inadmissível que a saída encontrada seja fazer um peditório. É uma situação que
desprestigia completamente os órgãos de governo próprio da região que não foram
capazes, ao longo de 20 anos, de resolver questões sociais tão graves como as
que passam no écran e a todos nós que andamos a votar em governos que fizeram
monumentos à autonomia que custaram centenas de milhares de contos mas não
souberam dar de comer a quem tem fome e dar tecto a quem está desabrigado.
O programa PARTILHA por todas essas
razões é uma iniciativa digna de figurar numa televisão estatal de qualquer
república das bananas. A obrigação da RTP/Açores, se estivesse a cumprir
adequadamente o seu papel, teria sido a de denunciar publicamente essas
situações num programa tipo magazine e chamar a atenção para quem de direito
promovendo, inclusive, um debate público que viesse esclarecer as razões de
situações tão anómalas e lamentáveis.
Ao ter embarcado no apelo ao sentimento
das pessoas como o fez (faz lembrar o amputado que mostra a sai mazela para
pedir esmola) a RTP/Açores veio conferir a uma questão que é política e de
sistema uma dimensão exclusivamente patética.
Justiça e solidariedade social sim,
caridade não.
P
E D R O DA M A S C E N O
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