sexta-feira, março 27, 2009

O preservativo da discordia

O preservativo da discórdia


Poderá parecer excessivo voltar à questão das declarações do Papa Bento XVI a propósito do uso do preservativo. Contudo foram feitas no âmbito da sua visita a África, continente aonde vivem 70% dos infectados com a Sida.

Uma epidemia de proporções colossais e cuja erradicação passa pela tomada de medidas muito drásticas e que não se compadecem com leituras da vida completamente desajustados dos dias em que vivemos.

Tecnicamente é um facto indiscutível que a prevenção primária da Sida, para além da irrealista abstinência, passa pela utilização de uma barreira física que impeça a contaminação. E que essa barreira se chama preservativo.

Esta é, por conseguinte, uma questão básica de Saúde Pública. Que tem levado a que a generalidade dos países ocidentais faça campanhas de utilização do preservativo. Com o apoio explicito e activo da Organização Mundial de Saúde.

O que difere a Sida de outras doenças contagiosas também muito graves é o facto de ser uma doença tipicamente adquirida por via sexual, embora o possa ser de outros modos. Facto que não a desqualifica como um verdadeiro flagelo.

Sendo o sexo a forma, habitual e corrente, de propagar a espécie humana e, simultaneamente, o resultado de um dos instintos nucleares do homo sapiens fácil será perceber que o combate à Sida tem pela frente um obstáculo formidável.

Tentar limitar o seu combate à abstinência sexual e a monogamia será, pelo menos, tão difícil como abrir, outra vez, as águas do Mar Vermelho. Sobretudo se atendermos a culturas tão diferentes, perante o sexo, como as africanas.

A questão da utilização do preservativo é, desse modo, uma questão que ultrapassa de todo as questões da moral em abstracto para se ter tornado num imperativo cívico para quem quer erradicar uma doença tão grave e que atinge milhões de inocentes, nomeadamente crianças.

A Igreja Católica tem como organização religiosa tem todo o direito de assumir as posturas morais que entender adequadas mas não deveria em nome dessas posturas fazer contracorrente em relação a uma medida de prevenção da doença tão importante como é preservativo.

O Papa, em vésperas de visitar África, poderia ter escolhido outro tema mais adequado como as ditaduras, a corrupção e a miséria. Situações endémicas nesse continente tão prodigioso e, ao mesmo tempo, tão carente.

A mensagem de Cristo foi – exemplarmente – uma mensagem de compaixão e solidariedade. Um Cristo humilde e profundamente tolerante que fez do amor o centro da sua vida.

Custa, agora, ver o seu sucessor perorar, do alto dos seus brocados, sobre uma moral pequenina que vê o mundo através do buraco da fechadura do Vaticano e se esquece do mundo de sofrimento e miséria que gravita em torno de uma doença perfeitamente evitável.


P E D R O D A M A S C E N O

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