terça-feira, outubro 26, 2010

Alugar um gato!

Alugar um gato!


O Japão, país de tradições comunitárias e com uma das maiores taxas de centenários do mundo, não consegue assegurar uma velhice condigna para um grande número dos seus cidadãos.

Um país que, num passado recente, tinha dois pilares fundamentais – a comunidade e a família – entra numa rampa descendente no que diz respeito aos apoios aos idosos.

A criminalidade grisalha, como lhe chamam, atinge proporções preocupantes sobretudo em grandes meios urbanos como Tóquio. Os lares para idosos são ainda raros e a rua é, muitas vezes, a única opção.

Afinal são mais de 8 milhões de cidadãos com mais de 80 anos e 29,4 milhões com mais de 65 anos. Num país com uma população de de 127 milhões. Fenómeno que está acontecer, um pouco, por todo o mundo “desenvolvido”.

O país da alta tecnologia resvala para um estilo de vida implacável em que horários de trabalho de 12 horas por dia são correntes deixando os cidadãos privados de um verdadeira vida pessoal.

Vidas em que não é possível cultivar amizades e criar laços comunitários/familiares. Surgindo, desse modo, novos negócios que se dedicam a alugar o que as pessoas não conseguem ter: desde “um bom amigo” até um gato para passearem no pouco tempo que lhes resta!

E o aluguer de um gato pode atingir valores da ordem dos 8 €/hora!

Embora falando de situações limites de grandes cidades não deixam de ser indicadores altamente preocupantes do que acontece quando as sociedades se desumanizam e não deixam lugar condigno para aqueles atingiram o limiar das suas vidas.

Sendo os Açores ainda essencialmente rurais já se notam sinais claros de degradação dos valores comunitários e familiares e uma insensibilidade crescente para com os idosos nomeadamente para os mais dependentes.

O número de idosos que procuram instituições de solidariedade social para terminarem os seus dias tem vindo a crescer e os laços comunitários e familiares têm vindo a afrouxar.

Ainda bem que tem havido investimento público muito significativo nessa solução que não sendo a ideal dá resposta a pessoas que já não conseguem encontrar suporte no seio das comunidades e famílias.

O ideal seria que os idosos não fossem “obrigados” a deixar as suas casas e as comunidades e mantivessem um contacto diário com os vários grupos etários. Sendo sabido que as instituições de idosos acabam sempre por provocar a sua exclusão social por muito boas que sejam as condições de alojamento.

O frenesim e as exigências consumistas da vida moderna geram nos mais novos uma impaciência para com os “velhos” que, ao invés de serem fontes de conhecimento e experiência, se tornam empecilhos. E, assim, se quebram inestimáveis cadeias de solidariedade e entreajuda.

Os avós precisam dos filhos e dos netos. Mas nada mais do que os netos e os filhos precisam dos avós e pais. Como acontecia no advento do homem e como ainda acontece em comunidades rurais em muitos pontos do globo.

Sendo conhecida a veneração pelos idosos que as civilizações ditas mais primitivas cultivavam (e muitas ainda cultivam) torna-se incompreensível a crescente impaciência que a nossa cultura do fast food e de tudo o resto adopta em relação a eles.

No fundo, com um pouco de sorte, todos nós seremos idosos amanhã e bom seria que não víssemos obrigado a alugar um gato ou a contratar um “bom amigo”.

O amanhã começa hoje.


PEDRO DAMASCENO

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