sexta-feira, janeiro 15, 1993

PÃO, CATRAPÃO, CATRAPUM


FACE OCULTA



PÃO, CATRAPÃO, CATRAPUM



A cerimónia oficial teve lugar nos Paços do Concelho que conseguiu ganhar o privilégio, com o prosaico jogo da moeda ao ar.

Como as câmaras da ilha não tinham conseguido pôr-se de acordo quanto ao local (as Lajes insistiram que devia ser no sul, S. Roque que devia ser no norte e a Madalena que devia ser lá), não houve outro remédio senão utilizar a moedinha para desenrascar.

Naturalmente por sorte, mas também por ironia, calhou à Madalena. Ironia porque bem em frente, lá na cidade da Horta, alguns jovens mastigavam, à mesma hora que decorria a cerimónia, uns saborosos pregos em pão (papo-seco) mirando a beleza inconfundível da montanha do Pico.

A hora era concebida ao Pico, como ilha e como parcela ultraperiférica da Comunidade Europeia. Os dignatários do Livro Guiness de Recordes chegaram num voo proveniente de Londres e destinado ao aeroporto de St. Luzia mas que, como é costume, não pode aterrar por razões atmosféricas.

Assim tiveram que vir pela Horta, aonde tiveram de pernoitar, dado que o horário de chegada do avião não atinou com o horário das lanchas do Pico. Como não estavam habituados com hábitos madrugadores da Transmaçor perderem a lancha da manhã e acabarem por vir na da uma que por não ser obrigada e desdobramento nem a velar pela integridade física e psicológica dos utentes, foi a Espalamaca. Escusado será dizer que levaram um arrocho dos diabos mas cá chegaram numa só peça.

As flores que os acolheram já estavam meio-murchas porque eram de véspera e tiveram que acarretar malas até ao Hotel Caravelas. Mas de resto chegaram muito bem e acharam, logo, a ilha lindíssima. Wonderful!

Depois de se banharem no Hotel com excelente água de Luso ficaram quase prontos para outras e partiram para a Quinta das Rosas onde foram obsequiados com um Pico se Honra e queijo da Cooperativa da Almagreira. Um grupo de jovens locais bailou gentilmente um chamarrita que, de imediato, cativou os ilustres visitantes.

Ao jantar, como o Garcia estava fechado para obras, o restaurante do Calhau fechado para férias e o Pinóquio para descanso do pessoal, foram jantar ao Salão da Criação Velha aonde lhes foi oferecido um abundante copo de água (Cit. De «O Dever»), servido por graciosas moçoilas locais.

A cerimónia, propriamente dita, começou, por isso, já um pouco mais tarde.

Presentes todas as forças vivas: deputados de todos os partidos, presidentes das assembleias municipais e câmaras dos três concelhos, todos os presidentes de junta de freguesia da ilha, todos os chefes de repartições públicas, presidentes das Santas Casas das Misericórdias, os presidentes dos conselhos de administração de centros de saúde, presidentes de conselhos directivos das escolas C+S, todos os chefes de bombeiros de todas as corporações da ilha e respectivos estandartes e treinadores de clubes de futebol, todos os maestros de filarmónicas, todos os chefes de agrupamento de escuteiros, etc., e muito povo anónimo.

Intrigados, os ingleses perguntaram pelos outros representantes da sociedade civil (câmaras do comércio e da indústria, associações agrícolas, sindicatos, associações culturais). Um pouco desconcertado o mestre de cerimónias balbuciou que não sabia mas que lhe parecia que não era costume.

O primeiro discurso, bastante inflamado, foi o de um fogoso deputado que descreveu a sua luta titânica na Assembleia Legislativa Regional com uma avalanche de requerimentos. Mas nada feito, concluiu. Nem o órgão máximo da sua autonomia conseguiu fazer prevalecer a sua vontade.

Depois falou o presidente da câmara anfitriã que descreveu, com maior detalhe, a luta travada pela Associação de municípios do triângulo. Em reuniões plenas na Horta e na Vela de S. Jorge, tudo fez para que o insólito terminasse mas nada, também, conseguiram. Pelo que achava justa a atribuição do galardão que, como representante de todas as câmaras, iria receber.

Foi, pois, com um frémito de emoção (e em momento magistralmente captado pelo Luís Bettencourt) que a sala apinhada ouviu o anúncio público do galardão e a sua entrega.

Também ligeiramente emocionado, o ancião inglês anunciou:

- Mr. President I have the great honor of presenting you with The Guiness Book award for the only place within Europe without dry-breads.

Foi o delírio quando o fogoso deputado traduziu que se tratava da atribuição do galardão Guiness para único local da Europa sem papos-secos.

No fundo da sala, uma mãe embaraçada repreendia o filho – vê lá se não queres levar uma tapona – que cantarolava em tom brejeiro:

- Pão, Catrapão, Catrapum!


P E D R O  D A M A S C E N O

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