segunda-feira, fevereiro 15, 1993

O AMBIENTE E A POBREZA DE “ESPÍRITO”


FACE OCULTA

«A natureza conduz-se, não se muda»
Voltaire


O AMBIENTE E A POBREZA DE “ESPÍRITO”



Admitindo como premissas iniciais as bolsas de pobreza que existem em Portugal e os ainda medíocres níveis de vida de grandes sectores da população portuguesa, não deixa de ser igualmente verdade que a pobreza de muita gente tem mais de atávico e cultural do que real.

É comum ouvir-se a evocação de que «sou pobre» ou «somos pobres» como explicação para deficiências, incapacidades, demissões, etc. Sem que, em muitos casos, haja qualquer correlação visível ou sequer exista pobreza pecuniária real.

A pobreza é, de resto, um conceito lato que vai desde penúria e estreiteza de posses até à mansidão e escassez de inteligência. Assim é a língua portuguesa, rica e traiçoeira.

Vem tudo a propósito do ambiente e da sua prevenção.

Um pouco como em outros sectores, o público, em geral, tem em relação aos problemas do ambiente uma atitude passiva, esperando do governo e das autarquias as soluções de todos os problemas.

E se é bem certo que os grandes problemas do ambiente implicam, pela sua dimensão, complexidade e custos, a intervenção do Estado; não é menos certo que muito pode ser feito pelos cidadãos, quer a título individual quer comunitário

O tratamento dos grandes lixos, quer industriais quer caseiros, são, por exemplo tipicamente tarefa de entidades públicas. No entanto, actos tão triviais como não cuspir na rua e não deitar lixo de qualquer maneira e em qualquer lado, são tipicamente tarefas de todos nós.

E, contudo, esses «pequenos» actos, aparentemente banais e sem grande significado, multiplicados por milhares ou milhões, constituem um impacto ambiental de grande gravidade.

Da mesma forma, se a defesa do grande património e as actividades legislativas de preservação do ambiente são da competência do Estado, há inúmeras maneiros do cidadão comum participar nessa grande tarefa que é a manutenção e enriquecimento da natureza, primeira condição para a qualidade da vida humana. Não poderá haver vida humana de real qualidade se modificarmos de modo severo a natureza que é o habitat imprescindível para que o homem não se divorcie da sua real identidade: animal, racional e evoluído (?), mas indiscutivelmente animal com necessidades fisiológicas ineludíveis.

Para construir um mamarracho ou poluir não é essencial o grau de riqueza ou pobreza do autor. Um «pobre» não tem necessariamente que ter uma habitação feia, austera e triste. Da mesma forma que um «rico» não tem necessariamente que ter uma habitação bonita, bem integrada e alegre.

Postos de lado os casos de marginalidade e de real pobreza, tudo passa mais pela alma do que pelo bolso.

Uma habitação, bem modesta, pode ser acolhedora, alegre e integrada na natureza. Como também uma habitação, bem luxuosa, pode ser uma agressão ao ambiente, feia e triste. Tudo irá depender, essencialmente, de quem lá vive.

Mais tarde ou mais cedo, o homem terá que concluir que a sua corrida vertiginosa para o consumismo e alienação material é suicida. Os níveis de conforto material terão que atingir, bem cedo, um patamar máximo sob pena de se continuar a depredar, de forma irreversível, o planeta de cuja sobrevivência inteiramente dependemos. Bastará imaginar os biliões de habitantes do chamado terceiro mundo animados do mesmo espírito de competição desenfreado de uma América ou de um Japão. Pura e simplesmente não haverá Terra que resista.

O homem terá necessariamente de se virar para dentro, para a sua vida interior. Terá que haver um limite para o número de futilidades e bens de consumo totalmente supérfluos. A «competição» terá de se centrar mais no miolo e menos na casca.

O problema do ambiente passa muito mais pela nossa riqueza espiritual do que pela nossa pobreza material.

Antes dez poetas pobres do que cem «pobres» ricos.


P E D R O  D A M A S C E N O



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