quinta-feira, abril 15, 1993

«NÃO HÁ DINHEIRO» OU DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS?


FACE OCULTA

A lei é como teia de aranha: apanha as moscas mas é incapaz de apanhar os insectos grandes
Ana Carsis


«NÃO HÁ DINHEIRO» OU DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS?


Com uma frequência cada vez maior, ouvem-se, nas mais variadas instâncias, queixas de que o governo não paga porque «não há dinheiro». E de tal modo isso se banalizou que passou, quase, a ter estatuto de fundamentalismo legítimo e perfeitamente aceitável!

Os mais variados departamentos oficiais e respectivas repartições não pagam as dívidas que contraíram, não honram os compromissos que assumiram e, inclusive, não cumprem os objectivos para que foram criados e para que existem com o mesmo «sacrossanto» e universal pretexto.

Situação que começa a pôr em causa a estabilidade financeira de inúmeras empresas e a provocar uma ruptura grave a nível do investimento privado numa região aonde o tecido empresarial já é de si mesmo frágil e ainda muito dependente do Estado. E o que, ainda é pior, começa a criar grandes dificuldades a nível da prestação adequada de serviços em sectores cruciais como são a saúde e a educação.

É evidente que qualquer cidadão responsável e sensato, percebe que o Estado não está a cima de vicissitudes que lhe são estranhas como conjunturas internacionais ou nacionais difíceis, catástrofes naturais, etc.. Mas ninguém, por mais sensato e moderado que seja, pode perceber é como que é que o estado, vértice da sociedade democrática e seu espelho natural, assuma, com a maior lata, posturas perfeitamente caloteiras e, ainda por cima, o faça com total impunidade.

Mas para que servem, então, os tribunais de contas, os procuradores gerais da republica, os provedores de justiça e outros tantos ditos defensores e fiscais do estado de direito?

Porque afinal de contas os credores do estado, e falar em estado devia falar em todos nós, não têm outro remédio que não seja calar e esperar porque depender dos tribunais é a mesma coisa que aguardar um D. Sebastião trajado de beca. E protestar não adianta porque não há memória de caloteiro ter vergonha!

A última desculpa a utilizar pelo estado para não cumprir devia ser mesma esta. Porque se não tem dinheiro que o vá pedir emprestado como fazem todas as pessoas de bem que têm dívidas. Ninguém tem culpa, para além dos políticos, que o estado viva acima das suas possibilidades e não saiba planear e programar adequadamente.

O estado devia ser, exactamente, o primeiro a dar o exemplo em matéria de pagamentos, compromissos e planeamento. Pode ser conduzido, pelo menos teoricamente, pela nata dos cidadãos e por representar, face à constituição, não só a face da nação mas por ser responsável, em primeira linha, pelo cumprimento da lei.

Um estado de direito é, precisamente, um estado em que nenhum cidadão ou instituição está acima da lei. Um estado que se rege por normas universais e democraticamente assumidas.

Imprevistos acontecem, mas isso é verdade para toda a gente.

Quando a carne ou o leite não é pago aos agricultores, estes não podem empregar a desculpa (ainda que a verdadeira) que não tem dinheiro para pagar os seus compromissos, sejam eles bancários, fiscais ou privados. Se eu tiver uma série de grandes imprevistos pessoais ou familiares, de doenças ou de dívidas de outrem, o estado não vai esperar para eu ter dinheiro para pagar os impostos, a caixa de previdência e por aí fora.

Fica, portanto, que o estado é a única entidade que pode ferrar o calote à vontade, sem se preocupar com juros de mora ou responsabilidades penais. Basta-lhe só utilizar a fórmula mágica «não há dinheiro» e fica tudo explicado e nos conformes.

O cidadão comum, esse terá de se conformar com a dura realidade que tem que cumprir a lei.

Ou se trata de dois pesos e duas medidas?



P E D R O  D A M A S C E N O

Sem comentários: