domingo, agosto 15, 1993

O Holocausto de Serajevo e a Hipocrisia Ocidental


FACE OCULTA


«Não há guerras justas. Quando muito há guerras inevitáveis.»

       
               O HOLOCAUSTO DE SERAJEVO E A HIPOCRISIA OCIDENTAL       
  

Quando for trucidado, com requintes de malvadez, o último habitante trucidável de Seravejo, estará completa mais uma página bem negra da história moderna da Europa.

Depois correrão mais umas toneladas de lágrimas de crocodilo e, eventualmente, far-se-á um monumento aos mártires anónimos. As flores e os epitáfios tomarão o lugar da ajuda humanitária (?) que, então, já não será necessária. Possivelmente poderá ir para as previsíveis atrocidades que irão esfrangalhar a África do Sul e o que sobrar de Angola.

O genocídio está quase concluído apesar da diplomacia de punhos de renda de Owen e Vance e os números falam por si: 139.000 mortos e desaparecidos, 68.000 feridos graves, 3 milhões de refugiados, 38 cidades gravemente destruídas, 800 mesquitas demolidas, 200 igrejas destruídas, 3 milhões de pessoas com poder, 2,5 milhões de pessoas sem água!

Os muçulmanos da Bósnia, no centro da Europa, foram, pura e simplesmente, dizimados com a perfeita complacência desta e por uma imperdoável ausência de coragem política. As democracias europeias provaram até à saciedade a sua fragilidade, as suas lideranças balofas e bem instaladas e uma lamentável incapacidade diplomática.

A Europa não percebeu, desde o princípio, o que se estava a passar na antiga Jugoslávia, tendo chegado ao ponto de decretar embargos de armas que, na prática, só foram beneficiar um dos beligerantes. Não percebeu o carácter dos movimentos nacionalistas do velho país de Tito. Como também não percebeu que não era possível influenciar os acontecimentos sem envolver directamente ou que era inevitável o uso da força perante o falhanço da diplomacia. E, o que ainda é pior, ameaçou com o uso da força e, na hora da verdade, não a utilizou.

A Europa limitou-se a uma política retórica de salão.

As causas próximas e longínquas do conflito são muitas e complexas e não caberiam no âmbito deste artigo. Problemas históricos, étnicos e religiosos que a Europa não soube ou não quis perceber.

O que importa, acima de tudo, é perceber e denunciar a hipocrisia farisaica que prevaleceu entre as nações europeias que pelos vistos não aprenderam nada ou muito pouco com lições bem recentes. Ontem foi o holocausto dos judeus da Europa central, hoje o dos muçulmanos da Bósnia. Que se segue?

Enquanto nos preocupamos com as nossas crises, mirando o umbigo e brandindo estatísticas de desemprego, ao nosso lado milhares de seres humanos são sujeitos às mais degradantes sevícias e ao extermínio para não falar dos desalojados. A guerra dos Balcãs está a gerar a maior deslocação de europeus desde a 2ª Guerra Mundial.

Faz lembrar um cidadão muito preocupado/a em retocar a pintura ou consertar o cabelo enquanto um transeunte, bem ao seu lado, agoniza por falta de ajuda.

A Europa tem, ninguém o nega, problemas económicos e sociais. Mas que são eles perante o que está a passar com milhões de cidadãos que perderam tudo ou quase tudo? Mesmo a própria dignidade e a vida.

É bem provável que ainda não seja desta que vamos aprender a lição ou seja aonde pode levar a falta de solidariedade, de coragem e lucidez. Ou, se calhar, o problema é mesmo de fundo e o que acontece é que não somos capazes de aprender a não ser aquilo que nos toca mais directa e pessoalmente. Se calhar a nossa abastança ocidental já fez-nos adormecer a consciência colectiva.

Ontem Dachau e Treblinka, hoje Sarajevo.

Anátemas que atestam o carácter mimado das nossas democracias e flacidez das nossas lideranças.


  P E D R O  D A M A S C E N O



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