FACE
OCULTA
«Não há guerras justas. Quando muito há
guerras inevitáveis.»
O HOLOCAUSTO DE SERAJEVO E A
HIPOCRISIA OCIDENTAL
Quando for trucidado, com requintes
de malvadez, o último habitante trucidável de Seravejo, estará completa mais
uma página bem negra da história moderna da Europa.
Depois correrão mais umas toneladas
de lágrimas de crocodilo e, eventualmente, far-se-á um monumento aos mártires
anónimos. As flores e os epitáfios tomarão o lugar da ajuda humanitária (?)
que, então, já não será necessária. Possivelmente poderá ir para as previsíveis
atrocidades que irão esfrangalhar a África do Sul e o que sobrar de Angola.
O genocídio está quase concluído
apesar da diplomacia de punhos de renda de Owen e Vance e os números falam por
si: 139.000 mortos e desaparecidos, 68.000 feridos graves, 3 milhões de refugiados, 38 cidades gravemente destruídas, 800
mesquitas demolidas, 200 igrejas destruídas, 3 milhões de pessoas com poder,
2,5 milhões de pessoas sem água!
Os muçulmanos da Bósnia, no centro da
Europa, foram, pura e simplesmente, dizimados com a perfeita complacência desta
e por uma imperdoável ausência de coragem política. As democracias europeias
provaram até à saciedade a sua fragilidade, as suas lideranças balofas e bem
instaladas e uma lamentável incapacidade diplomática.
A Europa não percebeu, desde o
princípio, o que se estava a passar na antiga Jugoslávia, tendo chegado ao
ponto de decretar embargos de armas que, na prática, só foram beneficiar um dos
beligerantes. Não percebeu o carácter dos movimentos nacionalistas do velho
país de Tito. Como também não percebeu que não era possível influenciar os
acontecimentos sem envolver directamente ou que era inevitável o uso da força
perante o falhanço da diplomacia. E, o que ainda é pior, ameaçou com o uso da
força e, na hora da verdade, não a utilizou.
A Europa limitou-se a uma política
retórica de salão.
As causas próximas e longínquas do
conflito são muitas e complexas e não caberiam no âmbito deste artigo.
Problemas históricos, étnicos e religiosos que a Europa não soube ou não quis
perceber.
O que importa, acima de tudo, é
perceber e denunciar a hipocrisia farisaica que prevaleceu entre as nações
europeias que pelos vistos não aprenderam nada ou muito pouco com lições bem
recentes. Ontem foi o holocausto dos judeus da Europa central, hoje o dos
muçulmanos da Bósnia. Que se segue?
Enquanto nos preocupamos com as
nossas crises, mirando o umbigo e brandindo estatísticas de desemprego, ao
nosso lado milhares de seres humanos são sujeitos às mais degradantes sevícias
e ao extermínio para não falar dos desalojados. A guerra dos Balcãs está a
gerar a maior deslocação de europeus desde a 2ª Guerra Mundial.
Faz lembrar um cidadão muito
preocupado/a em retocar a pintura ou consertar o cabelo enquanto um transeunte,
bem ao seu lado, agoniza por falta de ajuda.
A Europa tem, ninguém o nega,
problemas económicos e sociais. Mas que são eles perante o que está a passar
com milhões de cidadãos que perderam tudo ou quase tudo? Mesmo a própria
dignidade e a vida.
É bem provável que ainda não seja
desta que vamos aprender a lição ou seja aonde pode levar a falta de
solidariedade, de coragem e lucidez. Ou, se calhar, o problema é mesmo de fundo
e o que acontece é que não somos capazes de aprender a não ser aquilo que nos
toca mais directa e pessoalmente. Se calhar a nossa abastança ocidental já
fez-nos adormecer a consciência colectiva.
Ontem Dachau e Treblinka, hoje
Sarajevo.
Anátemas que atestam o carácter
mimado das nossas democracias e flacidez das nossas lideranças.
P E D R O
D A M A S C E N O
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