sexta-feira, julho 29, 1994

Ó SENHOR COMISSÁRIO DA PSD


FACE OCULTA


Ó SENHOR COMISSÁRIO DA PSD, QUEM NOS PODE VALER?


O trânsito caótico do Pico é uma questão que já se tornou motivo habitual de queixas e reparos por parte de todos os que preocupam com a segurança rodoviária por estes lados. São inúmeras as notas, comentários e crónicas que a esse respeito têm sido escritas nos mais variados jornais, incluindo este.

Mas, infelizmente, de pouco ou de nada têm servido essas múltiplas incursões ao muro das lamentações. Porque tudo tem vindo a piorar: o estado das estradas, a falta de sinalização, as infracções e a passividade das autoridades responsáveis.

Sendo cero que Portugal detém o recorde europeu de acidentes de viação e o condutor português o ceptro da má condução, seria interessante saber qual q posição, em termos relativos, do Pico. Mas será, certamente, cimeira. Apenas o baixo tráfego viário nos vale.

Os condutores, de forma geral, são tecnicamente pouco habilitados, desconhecedores do código de estrada e completamente alheados da realidade do trânsito. Comportam-se na estrada de forma totalmente autista como se mais ninguém exista, fazendo da manobra perigosa e do desrespeito pelas mais elementares regras de segurança o pão nosso de cada dia.
Param e estacionam em qualquer lado, invertem marcha em cima de curvas e lombas, galgam por norma os traços contínuos, ultrapassam em curvas, entram na faixa de rodagem de marcha atrás, conversam na estrada ocupando as faixas de rodagem na totalidade, excedem brutalmente os limites de velocidade, etc. Isto quantas vezes, ainda por cima, num mar de vacas que, calmamente, “pastam” no meio da estrada!

Os responsáveis por esta calamitosa situação são muitos – desde logo os condutores, depois os departamentos governamentais e autárquicos responsáveis pela conservação das estradas e pela sinalização – mas a fatia de leão cabe à PSP.

Não será exagero dizer que o trânsito no Pico está em perfeita auto-gestão: toda a gente faz mais ou menos o que lhe apetece, quando lhe apetece e aonde lhe apetece. Conduzir, hoje, no Pico é uma aventura de navegação à vista. Tudo pode acontecer: desde o carro estacionado fora de mão e em cima de uma curva, aos “parques de estacionamento privativos” de qualquer tasca ou café em ambas as faixas de rodagem, à total falta de utilização de sinais de piscas e às vacas no meio do caminho.

Não há regras. As que aprenderam para o exame de código ficaram “agarradas” ao papel do teste. Não há uma linguagem de trânsito inteligível. Stop não quer dizer parar e olhar, quer dizer andar sempre que para a frente é que é caminho!

Enquanto isso a PSP preocupa-se com os “magnos” problemas das placas de propriedade, com o balão fora das discotecas ou com a papelada. Não há PSP nas estradas do Pico a menos que seja transparente.

Não exactamente para punir ou para a caça à multa mas para ensinar, orientar, disciplinar e, se for o caso disso, também para punir.

A maioria dos condutores quando tira carta têm sobretudo noções teórica. Depois vai para a estrada e, se calhar, nos primeiros tempos ainda tem alguma preocupação em respeitar o Código de Estrada e ter os outros em atenção. Mas rapidamente se apercebe que o que aprendeu na escola não tem qualquer correspondência na prática e que não adianta andar a respeitar as regras que aprendeu porque ainda acaba por passar por parvo e andar constantemente exaltado. Assim, na maior parte dos casos, acaba por se adaptar à anarquia reinante e passa a fazer apenas pela sua vida como os outros fazem.

E tudo isso atingiu tais proporções que a maioria dos condutores picoenses já perdeu a noção de que é andar na estrada de acordo com uma linguagem que tem de ser igual para todos sob pena de ninguém se entender. Stop para mim tem de significar a mesma coisa que para todos os outros condutores que andam na estrada.

O trabalho a desenvolver pela força policial responsável pelo normal funcionamento do trânsito, sobretudo em lugares de trânsito tão deteriorado, tem de ser um trabalho de grande persistência e determinação no sentido de começar a criar nas pessoas um outro espírito quando se sentam por trás de um volante. Está provado que esta evolução não vai acontecer por geração espontânea. Só acontecerá como fruto da intervenção contínua dos agentes da autoridade que têm que vir em força pra a estrada, sem ter como preocupação principal a punição e a multa.

Multa que muitas vezes as pessoas não percebem porque são castigadas por coisas que, embora mal, sempre fizeram.

Que adianta uma súbita fúria de multas de estacionamento em sítios urbanos perfeitamente inofensivos, embora ilegais, quando as estradas estão cheias de estacionamentos extremamente perigosos e igualmente ilegais? Que adianta multar por falta de um papel ou de um requisito legal obscuro quando as estradas estão cheias de manobras perigosas de todo o tipo?

 No trânsito, como tudo na vida, é preciso saber discernir o essencial do supérfluo e é imprescindível assegurar o primeiro antes de se preocupar como segundo. No Pico já se morre a sério na estrada e cada vez se vai morrer mais se não forem tomadas medidas urgentes, sobretudo de carácter didáctico e disciplinador. Se os efectivos policiais que existem no Pico não são suficientes ou competentes que se procure uma saída adequada mas que tem que ser urgente. Cada vez mais a vida de muita gente vai depender disso.

Ó Senhor Comissário da PSP, quem nos pode valer?


P E D R O  D A M A S C E N O

PS – Se o Senhor Comissário não acredita em tudo isso venha passar uns dias incógnito nas estradas do Pico e vai ver!...


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