sexta-feira, julho 14, 1995

Educação e Civismo

FACE OCULTA


EDUCAÇÃO E CIVISMO


Uma das grandes conquistas do 25 de Abril foi, incontestavelmente, a democratização do ensino – a possibilidade da população em geral ter acesso ao ensino. Conquista tanto mais importante dado o semi-analfabetismo que afecta a generalidade do país.

Um bem indispensável que só era acessível a uns quantos privilegiados e que, a partir daí, iria determinar oportunidades de vida, completamente diferentes. Com o advento da revolução, num período de tempo relativamente curto, a generalidade dos jovens começa a ter acesso ao ensino secundário e universitário.

Situação que implicou grandes desafios, desde a construção de uma imensidade de novos estabelecimentos de ensino ao recrutamento de números cada vez mais crescentes de professores. O que não só implicou o dispêndio de grandes verbas que também trouxe, no seu seio, uma inevitável crise de crescimento que, por seu turno, determinou uma compreensível e inevitável quebra de qualidade.

Tudo se passou demasiado depressa e com um crescimento exponencial. Procurou fazer-se em 20 anos o que não se tinha feito em 50! Certas repercussões eram de esperar: quebra de qualidade dos professores com a consequente quebra de qualidade dos alunos, avanços e recuos nos conceitos pedagógicos e programáticos, dificuldades financeiras, rupturas de equipamentos escolares, etc..

O que levou a que um dos desideratos mais importantes da democratização do ensino não tivesse, em grande parte, sido conseguido – o nivelamento durante a escolaridade das grandes discrepâncias sociais e culturais de um país saído de um longo período de obscuridade e descriminações.

Esperava-se que o ensino democrático viesse, rapidamente, repor os déficites culturais e sociais da generalidade dos cidadãos, colmatando as diferenças de ambientes familiares e sociais de que provinham. A escola, sobretudo secundária, deveria, assim, repor a igualdade. Teríamos, portanto, um número crescente de cidadãos com formação intermédia e universitária que viria, assim, engrossara população devidamente escolarizada e, consequentemente elevar o nível escolar, cultural e cívico do país.

Circunstância que, naturalmente, nos conduziria a um país mais apto para responder aos desafios da modernidade e do desenvolvimento. O desenvolvimento e os crescimentos económico e social passam, inexoravelmente, pelo crescimento do nível global dos cidadãos. E a base de qualquer democracia efectiva – e não o simples exercício periódico do direito de voto – tem a ver com o nível dos cidadãos.

Não basta, apenas, assegurar a igualdade de oportunidades, é preciso, também, assegurar a igualdade de ferramentas. Obviamente se vários pescadores estiverem a pescar do mesmo lago não é suficiente assegurar idêntico acesso às águas, é, igualmente, necessário assegurar idênticos equipamentos para pescar. O resto, então, é que terá que depender da capacidade de cada pescador. Factor que está, por isso mesmo, não mão de cada um desenvolver e que constitui uma das bases do direito à diferença.

Os cidadãos, em última análise, não são nem deveriam ser iguais. Isso deveria a um completo aniquilamento das perspectivas de aperfeiçoamento e crescimento que, cada um de nós, deve ter no seu âmago. Circunstância imprescindível ao desenvolvimento integral do homem e da sociedade.

Infelizmente a mercê de algumas das dificuldades e dos desvios apontados, o nosso ensino está ainda bem longe de conseguir assegurar a igualdade de oportunidades aos cidadãos. Se é certo que temos uma sociedade, genericamente, mais escolarizada também é verdade que temos uma sociedade, genericamente, menos cívica e menos portadora de valores de solidariedade e de respeito social.

Ao crescimento da escolaridade tem, infelizmente, correspondido um decréscimo de civismo e de valores de referência. Temos mais cidadãos alfabetizados mas menos civilizados. Ironia que se torna evidente a níveis elementares da convivencialidade e do dia-a-dia.

O que seria normal esperar de cidadãos mais alfabetizados seria uma concomitante melhoria do comportamento cívico e social. Mas passa-se exactamente o contrário. A uma maior alfabetização tem correspondido um decréscimo cívico perfeitamente patente na generalidade dos nossos jovens que parecem desconhecer, inclusive, as maiores elementares regras de cortesia e de consideração para com os outros.

Por tudo isso é fundamental uma reflexão profunda dobre o sistema educativo e a descoberta de novas pistas que venham pôr cobro a essas contradições. Talvez o melhor seja começar com uma política de pequenos passos.

Porque não iniciar, por exemplo, o ensino de disciplinas na área do civismo e do comportamento social que venham trazer aos jovens alguns valores e hábitos imprescindíveis à viabilização de uma sociedade verdadeiramente humanista e igualitária? Da mesma forma que é imprescindível andar antes de correr.


P E D R O  DA M A S C E N O


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