FACE
OCULTA
EDUCAÇÃO E CIVISMO
Uma das grandes conquistas do 25 de
Abril foi, incontestavelmente, a democratização do ensino – a possibilidade da
população em geral ter acesso ao ensino. Conquista tanto mais importante dado o
semi-analfabetismo que afecta a generalidade do país.
Um bem indispensável que só era
acessível a uns quantos privilegiados e que, a partir daí, iria determinar
oportunidades de vida, completamente diferentes. Com o advento da revolução,
num período de tempo relativamente curto, a generalidade dos jovens começa a
ter acesso ao ensino secundário e universitário.
Situação que implicou grandes
desafios, desde a construção de uma imensidade de novos estabelecimentos de
ensino ao recrutamento de números cada vez mais crescentes de professores. O
que não só implicou o dispêndio de grandes verbas que também trouxe, no seu
seio, uma inevitável crise de crescimento que, por seu turno, determinou uma
compreensível e inevitável quebra de qualidade.
Tudo se passou demasiado depressa e
com um crescimento exponencial. Procurou fazer-se em 20 anos o que não se tinha
feito em 50! Certas repercussões eram de esperar: quebra de qualidade dos
professores com a consequente quebra de qualidade dos alunos, avanços e recuos
nos conceitos pedagógicos e programáticos, dificuldades financeiras, rupturas
de equipamentos escolares, etc..
O que levou a que um dos desideratos
mais importantes da democratização do ensino não tivesse, em grande parte, sido
conseguido – o nivelamento durante a escolaridade das grandes discrepâncias
sociais e culturais de um país saído de um longo período de obscuridade e
descriminações.
Esperava-se que o ensino democrático
viesse, rapidamente, repor os déficites culturais e sociais da generalidade dos
cidadãos, colmatando as diferenças de ambientes familiares e sociais de que
provinham. A escola, sobretudo secundária, deveria, assim, repor a igualdade.
Teríamos, portanto, um número crescente de cidadãos com formação intermédia e
universitária que viria, assim, engrossara população devidamente escolarizada
e, consequentemente elevar o nível escolar, cultural e cívico do país.
Circunstância que, naturalmente, nos
conduziria a um país mais apto para responder aos desafios da modernidade e do
desenvolvimento. O desenvolvimento e os crescimentos económico e social passam,
inexoravelmente, pelo crescimento do nível global dos cidadãos. E a base de
qualquer democracia efectiva – e não o simples exercício periódico do direito
de voto – tem a ver com o nível dos cidadãos.
Não basta, apenas, assegurar a
igualdade de oportunidades, é preciso, também, assegurar a igualdade de
ferramentas. Obviamente se vários pescadores estiverem a pescar do mesmo lago
não é suficiente assegurar idêntico acesso às águas, é, igualmente, necessário
assegurar idênticos equipamentos para pescar. O resto, então, é que terá que
depender da capacidade de cada pescador. Factor que está, por isso mesmo, não
mão de cada um desenvolver e que constitui uma das bases do direito à
diferença.
Os cidadãos, em última análise, não
são nem deveriam ser iguais. Isso deveria a um completo aniquilamento das
perspectivas de aperfeiçoamento e crescimento que, cada um de nós, deve ter no
seu âmago. Circunstância imprescindível ao desenvolvimento integral do homem e
da sociedade.
Infelizmente a mercê de algumas das
dificuldades e dos desvios apontados, o nosso ensino está ainda bem longe de
conseguir assegurar a igualdade de oportunidades aos cidadãos. Se é certo que
temos uma sociedade, genericamente, mais escolarizada também é verdade que temos
uma sociedade, genericamente, menos cívica e menos portadora de valores de
solidariedade e de respeito social.
Ao crescimento da escolaridade tem,
infelizmente, correspondido um decréscimo de civismo e de valores de
referência. Temos mais cidadãos alfabetizados mas menos civilizados. Ironia que
se torna evidente a níveis elementares da convivencialidade e do dia-a-dia.
O que seria normal esperar de
cidadãos mais alfabetizados seria uma concomitante melhoria do comportamento
cívico e social. Mas passa-se exactamente o contrário. A uma maior
alfabetização tem correspondido um decréscimo cívico perfeitamente patente na
generalidade dos nossos jovens que parecem desconhecer, inclusive, as maiores
elementares regras de cortesia e de consideração para com os outros.
Por tudo isso é fundamental uma
reflexão profunda dobre o sistema educativo e a descoberta de novas pistas que
venham pôr cobro a essas contradições. Talvez o melhor seja começar com uma
política de pequenos passos.
Porque não iniciar, por exemplo, o
ensino de disciplinas na área do civismo e do comportamento social que venham
trazer aos jovens alguns valores e hábitos imprescindíveis à viabilização de
uma sociedade verdadeiramente humanista e igualitária? Da mesma forma que é
imprescindível andar antes de correr.
P
E D R O DA M A S C E N O
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