quarta-feira, agosto 30, 1995

O lucro da imoralidade

FACE OCULTA 

«O maior risco que o homem enfrenta como espécie é o seu baixo nível de espiritualidade.»
Stan Islav Grof


O LUCRO DA IMORALIDADE


Até a sisuda BBC decidiu uns bons minutos dos seus noticiários televisivos, em dias consecutivos, ao “escândalo”.

Um conhecido actor britânico tinha sido preso pela polícia americana em Sunset Boulevard – Hollywood por ter sido apanhado em fragrante delito de prática de sexo oral por parte de uma prostituta da zona que tinha sido encontrada para o efeito.

A sociedade americana conhecida pela super hipocrisia em matéria de sexo levou os intervenientes, com o número de identificação de polícia ao peito, às televisões de todo o mundo. Embora se tratasse apenas de um delito (?) privado cujo único ingrediente diferente era o facto de um dos protagonistas ser um actor famoso.

Mesmo em Inglaterra o assunto serviu para extensas reportagens televisivas sobre as reacções da namorada do actor, filmada nas mais variadas situações. Transformando, assim, um assunto, privado, num assunto com honras de “prime time” televisivo.

O actor Hugh Grant não teve, por conseguinte, direito à sua privacidade só pelo facto de ser muito conhecido e pelo seu “deslize” ser matéria suficientemente forte para um público ávido de notícias sensacionalistas e sórdidas.

Tudo isso só por si já seria mau e dá uma boa ideia da decadência em que a nossa sociedade se encontra. Perderam-se as balizas do bom senso e do mínimo decoro e nada nem ninguém é respeitado: nem protagonistas nem público. O que interessa é que a notícia se venda, não interessa porquê.

Mas, infelizmente, o assunto não ficou por aqui.

Veio, agora, a conceituada revista Time publicar uma foto de Divine Brown (a prostituta a acompanhar a notícia de que ela acabou de assinar um contrato de 30 mil dólares com uma companhia de roupa interior para fazer a promoção dos seus produtos!

Ou seja, uma prostituta de rua de Hollywood ganha notoriedade a ponto de ter fotografia na revista Time e assegura um contrato de promoção de lingerie apenas pelo facto de ter exercido a sua profissão na pessoa de actor conhecido. Portanto aquilo que é um lamentável sinal dos tempos – o exercício da prostituição de rua num país com um nível de desenvolvimento como os Estados Unidos – não só foi matéria para parangonas de televisão mas oportunidade de negócio.

Só falta agora, à boa maneira americana, que qualquer dia apareça nos escaparates das livrarias, um livro assinado por Divine Brown em que ela relate em pormenor o seu já famoso sexo oral! E que, logo de seguida, se faça um filme sobre o assunto.

É evidente que nada nos mova contra as preferências sexuais privadas de cada um. É um assunto de foro íntimo e ninguém tem nada com isso.

O que é importante analisar é o facto de um lamentável episódio de sexo de rua, ocasional e desprovido de qualquer elevação, se transforme em matéria noticiosa de primeira página e em motivo de promoção dos prevaricantes e mesmo em oportunidade de bons negócios.
Que conclusões poderão os nossos jovens tirar de episódios como este? Que leitura poderão eles fazer de tudo isto? Obviamente que não há limites para a falta de decoro e bom senso e que o crime (?) ou a imoralidade até compensam. Tudo o que é preciso é que a história tenha algum ingrediente picante.

Imagine-se, por exemplo, o cartaz e o cachet que Divine Brown conseguiria se em vez de fazer sexo oral a Hugh Grant o tivesse feito ao Príncipe de Gales! Em vez dos filmes das lágrimas da namorada do actor teríamos circunspectos comunicados de imprensa emitidos pela Casa de Windsor e seráficas fotografias da rainha. Tudo o resto dependeria de um marketing e feito.

É pena que a cinco anos do ano 2000 num mundo tão problemático como o nosso em que a nossa própria existência poderá estar em causa e em que temos de vencer desafios tão grandes como a guerra, a fome e a doença (e mesmo a ameaça nuclear) ainda haja tempo e mercado para pequenas histórias frívolas e sórdidas sobre nada.

O que só vem atestar o baixo grau de espiritualidade a que chegámos em que tudo tem a ver, apenas, com o que é material e imediato e muito pouco com o que é ético, estético ou emocional. Um mundo que persiste na sua louca correria para o abismo.


P E D R O  DA M A S C E N O




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