sexta-feira, julho 14, 2006

O culto do mexerico

Do mexerico à maledicência vai apenas um passo





O culto do mexerico


Talvez seja uma pecha das culturas latinas mas o mexerico é, sem grandes dúvidas, a forma mais comum de aquisição de conhecimento da sociedade portuguesa.

Conhecidos os baixos índices de leitura quer de jornais quer de livros, a intoxicação televisiva e o elevado grau de iliteracia de que o país sofre não será de estranhar que o mexerico se tenha tornado numa verdadeira instituição.

Tendo os portugueses uma enorme aversão à frontalidade fácilmente se percebe que o resultado só poderá ser uma profunda hipocrisia social que encontra a sua expressão ideal no mexerico.

A simpatia barata, ou se se preferir, o porreirismo português é a máscara que encontramos para nos cobrirmos com a mesma manta bem como para evitarmos ter de encarar, de frente, os problemas e os conflitos.

O que nos leva a exercer o direito de crítica ou em forma de peixeirada novoriquista ou, o que é mais comum, a fazê-lo de forma velada e indirecta – de preferência pelas costas – com o temor reverencial de represálias.

No fundo o português – apesar dos mais de trinta anos de democracia – ainda não se conseguiu libertar do medo de ser castigado por exercer a liberdade de expressão, de forma nua e crua.

Tem um medo subliminar de poder ser prejudicado nisto ou naquilo porque sabe que o sistema da simpatia barata ou do porreirismo se baseia num pacto de não agressão. Tu coças-me as costas que eu coçarei as tuas.

Sendo o modelo português baseado no compadrio - não na meritocracia -a regra de ouro é, precisamente, a fuga ao confronto e à crítica frontal. Em contraste com a cultura do mérito que exige transparência e frontalidade.

E o português dificilmente aceita uma crítica sem a personalizar, ou seja sem a sentir como uma ofensa pessoal. Situação que nos Açores é especialmente aguda tornando as relações profissionais e de trabalho numa verdadeira filigrana de frases indirectas e subentendidos.

O que conduz a uma laboriosa teia de compromissos que, por seu turno, leva a um bloqueio sistemático da melhoria dos serviços, nomeadamente dos públicos, e por essa via se constitui num obstáculo intransponível para o desenvolvimento e o progresso.

Quando chega a altura de assumir uma crítica ou uma acusação escrevendo o nome por baixo muito pouco gente o faz abrindo, desse modo, a porta à perpetuação do mediocridade quando não mesmo da corrupção.

Ser frontal e directo, embora de forma correcta, é apanágio de uma democracia consolidada e madura e constitui por isso uma ferramenta indispensável para construir um futuro com esperança.

Sendo indispensável falar, cada vez menos, do que não interessa para falar, cada vez mais, do que interessa. Abandonando os “brandes costumes” para assumir costumes saudáveis ou, o mesmo é dizer, assumir as responsabilidades pelos nossos actos.

O mexerico é uma forma menor de viver em comunidade. Uma forma de estar que vive da sombra, do negativo e da ignorância – um verdadeiro sub produto cultural. É bem tempo de procurarmos a luz, o positivo e a sabedoria.


P E D R O D A M A S C E N O

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