F A C E O C U
L T A
Para A. que espero não faça o favor de ser meu amigo
Fazer o favor de ser meu amigo
Esta de
“fazer o favor de ser meu amigo” é uma das frases mais enigmáticas que
transitaram do antigamente, carregada de rococós, e que condensa o deleite dos
meandros da hipocrisia social.
Como se ser amigo pudesse ser objecto de favor ou uma
amizade de favor pudesse ter algum valor. Quando ser amigo só pode ser partilha
e altruísmo ou, então, afecto e compaixão.
Esta
maneira, simultaneamente light e
arcaica, de desvalorizar – fingindo valorizar – um sentimento tão denso e
precioso só poderá encontrar explicação na desvalorização das palavras que,
também, passaram de robustas a obesas.
Sendo de origem
vetusta e salazarista “o fazer o favor de ser meu amigo” passou a fazer parte da
gíria do fast-food cultural e do
socialmente correcto. Não interessando se faz subir o colesterol ou a tensão
arterial.
É mais uma
maneira de não dizer nada, falando.
E não dizer
nada falando é também um dos pilares da cultura que procura no verbo uma
maneira de iludir a vida e açucarar a sensaboria em que se tornou grande parte
das nossas existências.
Existências que
procuram no efémero e na gratificação das papilas gustativas a ilusão vã de
viver, não vivendo. Porque viver mesmo dói, machuca e desafia. Não cria
barriga.
Mas vale a pena
viver sem amigos que fazem o favor de ser nossos amigos. Para,
alternativamente, viver com quem nos diz na cara o que é preciso ser dito e nos
arranha a alma.
Amizade que é,
possivelmente, mais importante que o amor. Sendo que este, talvez na maior
parte das vezes, é da cinta para baixo ou da cabeça para cima. Poucas vezes no
seu sítio certo.
Porventura o ingrediente
certo será amar os amigos. Porque há quem ame o que não é amigo ou negue
amizade a quem o ama. Voltas de sentimentos que de tanto mal serem usados se
tornaram descartáveis.
Ou como diria
Fernando Pessoa: Tenho amigos para saber
quem eu sou, pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos,
nunca me esquecerei de que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.
P E D R O D A M A S C E N O
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