F
A C E O C U L T A
Quem é rico? Aquele que não deseja coisa alguma. Quem é pobre? O avarento.
Ausonius
INSACIABILIDADE
Insaciabilidade
é a nossa disposição psicológica para querer sempre mais e mais. Seja para bem
materiais ou outros e que nos faz correr, tantas vezes, atrás de verdadeiras
quimeras como a alquimia que nunca conseguiu a transmutação dos metais
inferiores em ouro ou o elixir da longa vida.
Insaciabilidade
que tornou obsessiva a crença de que o progresso está indissociavelmente
associado ao crescimento contínuo do BIB (Produto Interno Buto) e que deste
depende a nossa felicidade – leia-se – a nossa capacidade consumista.
Sendo
certo que este conceito se aplica, essencialmente, aos países ditos ricos já
que há nações em que milhões de seres humanos que se situam no limiar da
sobrevivência mergulhados no caos e na doença e para quem a actual crise
económica mundial “apenas” teve reflexos marginais.
Mas para
essa insaciabilidade da nossa cultura muito contou o estímulo constante ao
consumo, a ter mais e mais coisas para as quais, cada vez menos, temos tempo.
Consumo que tem sustentado o crescimento do PIB e que se tornou numa verdadeira
espada de dois gumes.
Crescimento
que possibilitou grande melhoria das condições de vida por um lado mas que
estimulou ganância, inveja e avareza por outro. Estimulando uma sociedade
altamente competitiva e, crescentemente, falha de princípios e valores de
solidariedade e entreajuda.
Nos Açores
essa deriva – por muito recente – é bem visível.
Em pouco
mais de trinta anos os comportamentos sociais, e mesmo morais, sofreram
modificações radicais nos nossos meios rurais. A grande melhoria das condições
de vida e de conforto não foi acompanhada por igual progressão ao nível da vida
comunitária e dos valores comportamentais.
Males como a
inveja social, a irresponsabilidade, a corrupção, a promiscuidade foram,
infelizmente, a moeda de troca. A educação tem-se vindo a perder a um ritmo
frenético e a instrução, embora de mais anos, tem vindo a decrescer em
qualidade.
O
advento da crise, iniciada em 2008 com o colapso de sistema bancário
internacional e as consequências em cadeia que desencadeou, veio acordar-nos,
subitamente, para a realidade da nossa grande vulnerabilidade de pequeno país
adormecido nos braços da “doce fada” consumista.
De um
dia para o outro os nossos credores passaram de 80 para 8. De estimados
clientes passamos a mal-amados devedores. De crédito para tudo e para nada passamos
à falta de crédito para o que quer que seja. De cidadãos felizes e estimados
à-beira-mar-plantados passamos para pagantes toma-e-cala-te do sul preguiçoso e
incumpridor.
Uma
história mal contada e que tem muito mais a ver com os defeitos morais e conceptuais
do nosso sistema do que com as pessoas individualmente consideradas. O próprio
John Maynard Keynes, economista de grande estatura, se enganou quando pensou
que a abundância iria conduzir ao progressivo aumento do lazer das pessoas e à
sua felicidade.
Talvez
seja tempo, por tudo isso e aproveitando a crise, para nos questionarmos sobre
os nossos objectivos de vida e deixarmos de considerar o dinheiro como
principal receita para a felicidade. Ou, usando outras palavras, decidir do que
realmente precisamos para ter uma vida boa retirando ao dinheiro o estatuto de
amo e senhor para o tornar num simples criado ao nosso serviço.
Possivelmente
será a única maneira de nos libertarmos das grilhetas que hoje, tão
pesadamente, nos limitam.
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