sexta-feira, maio 12, 1995

Carta aberta ao Director

FACE OCULTA


CARTA ABERTA AO DIRECTOR DO ILHA MAIOR
(TRIÂNGULO OU MITO?)


Caro Director

Após vários anos de colaboração regular é a primeira vez que lhe dirijo uma carta. E fi-lo porque vi um repto seu, público, cair em saco roto, como se diz.

No penúltimo número do jornal tentou, em editorial, abrir um debate público sobre a momentosa questão dos transportes marítimos entre ilhas do triângulo com especial ênfase para as ligações São Jorge-Pico.

Ao contrário do que seria de esperar – dada a importância do assunto – a resposta foi nula. Facto que inspirou o subtítulo desta crónica pois a questão do triângulo ainda continua a ser muito mais um mito/fantasia do que uma realidade palpável. Nem mesmo a constituição da associação dos municípios do Faial, Pico e São Jorge conseguiu corporizar o arranque efectivo dessa ideia que continua tão longínqua como a do Pico – ilha do Futuro.

A ideia do triângulo continua, ainda, a ser sentida (a sério) apenas por um punhado de pessoas que perceberam, realmente, que o destino destas ilhas – numa perspectiva de desenvolvimento, de progresso e de qualidade de vida – passa pela união desses três pequenos universos ilhéus que separadamente pouco ou nada podem mas que, em conjunto, poderão constituir uma das mais férteis apostas da região sobretudo num sector que se postula como uma grande aposta de futuro nos Açores: o turismo.

Por isso, caro director, resolvi eu, já que mais ninguém o fez, escrever-lhe esta carta. Para o felicitar pela iniciativa e para tecer armar a seu lado.

A ideia da imprescindibilidade de boas e regulares ligações marítimas entre as três ilhas que defendeu é, também, no meu entender, crucial para que o conceito de triângulo tenha expressão prática.

Ou, sendo um pouco mais radical, nunca haverá triângulo enquanto as três ilhas não forem ligadas por transportes marítimos regulares (no mínimo diários), eficientes e económicos. Esses são os alicerces em que terá que assentar o triângulo. E, por consequência, se eles não existirem não haverá triângulo.

São Jorge e Pico tem estado afastadas, exactamente, porque não têm ligações diárias – uma de manhã e outra tarde. Ligações que, numa primeira fase, terão, necessariamente, déficites de exploração mas que, rapidamente, poderão ser rentáveis. Para tanto bastará que as populações das duas ilhas se habituem a aproveitar as mútuas potencialidades, para já não falar do turismo.

E as potencialidades de intercâmbio (industriais, comerciais, de saúde, culturais e de lazer) são inúmeras mas bastará reflectir apenas no alargamento do universo de consumidores, que a ligação entre as duas ilhas implicará. E que ficará, naturalmente ainda mais reforçado com o Faial.

A recente decisão da Associação dos Municípios do triângulo de desenvolver acções no sentido da aquisição de um barco para garantir as ligações regulares São Jorge- Pico é extremamente positiva, a nível oficial e institucional, a urgência e a importância desta questão.

Obviamente a Transmaçor, que não consegue sequer ligar, adequadamente, o Pico ao Faial não vai, por maioria de razões, ser um parceiro credível para iniciar este tipo de ligações. Essa transportadora que continua a mostrar uma completa insensibilidade para responder aos desafios do desenvolvimento e da modernidade (em pleno mês de Maio ainda não tem a lancha da tarde, senão a partir do dia 14!!) não vai certamente considerar uma linha de “risco”.

Mas, e nisso estaremos todos de acordo, os custos de exploração inicial das ligações regulares São Jorge Pico terão custos eminentemente sociais e que terão que ser suportados, em grande parte pelo menos e no início da exploração, pelo erário público. Porque é, exactamente, para esse tipo de coisas que é importante que exista autonomia: para perceber e suprir as especificidades das diferentes ilhas e áreas do arquipélago. E a especificidade máxima das ilhas do triângulo, é, justamente, a necessidade fulcral e inadiável das ligações marítimas regulares.


Caro Director

O repto está, agora, nas mãos dos políticos (sobretudo dos autarcas e dos deputados) e dos agentes económicos que, em colaboração estreita, deverão procurar os meios e exercer as pressões necessárias à concretização desse objectivo.

Penso que o seu desafio veio numa altura muito oportuna e seria óptimo que mais gente viesse dar o seu contributo para uma questão da mais alta relevância para essa área e cujo desfecho dependerá, sem dúvida, do montante do apoio e empenhamento público das mais variadas entidades e da população em geral.

Com os melhores cumprimentos,


P E D R O  DA M A S C E N O

sexta-feira, abril 28, 1995

Uma questão de sensibilidade

FACE OCULTA 


UMA QUESTÃO DE SENSIBILIDADE E BOM SENSO



Infelizmente mais dois promissores jovens picoenses perderam a visa num trágico acidente de viação. O que vem, mais uma vez, chamar a atenção – para quem quiser ver – sobre os perigos que as estradas escondem, quer seja sob forma de potentes motos quer seja sob forma de um voluntarismo de condução que a maioria dos jovens tem.

Ninguém quer morrer mas poucos pensam, até pela idade, no perigo.

Mas, infelizmente também, não foram apenas duas vidas que se perderam. Foram, também, algumas vicissitudes que as famílias sofreram para poderem passar as derradeiras horas juntos dos seus filhos. O que acabou por ter sido possível apenas porque se conseguiram reunir um conjunto de boas vontades (desde os médicos até à entidade judicial).

Não se questionam, naturalmente, nem a legitimidade nem a competência de quem ordenou a autópsia nem tão pouco se pretende atribuir-lhe culpas +ela falta de condições locais (inexistência de uma morgue com um mínimo de condições) para fazer face – de forma digna – a situações legais incontornáveis.

O que se questiona, isso sim e não pela primeira vez, é a falta de condições locais para responder, de forma digna, a situações excepcionais (a hora tardia do óbito e os condicionalismos extremamente emotivos gerados pela idade dos sinistrados) se junte uma falta de filosofia de fundo que se preocupe em lidar de forma específica com as diversas situações.

Porque se não tivesse sido possível reunir o conjunto de boas vontades que acima se referiram, as jovens vítimas teriam permanecido pelos menos 30 horas encerrados numa garagem a servir de morgue sem poderem ser acompanhados nem sequer pelos próprios pais que se teriam limitado a ver, pela derradeira vez, os filhos mesmo em cima do funeral!

E, no entanto, é de mais elementar justiça poupar pais e amigos e mais essa provação extra. Ninguém tem culpa – nem os que morreram nem os que ficaram - que o acidente tenha ocorrido de madrugada e que portanto o térmito das 24 horas que a lei prescreve ocorra também de madrugada. Mas é importante criar a cultura de suprir, de forma mais célere e expedita, os requisitos legais.

Requisitos legais que têm que ser, indiscutivelmente, cumpridos mas que não têm que, necessariamente, ignorar questões emocionais e culturais da maior relevância.

Nos grandes meios onde tudo é mais impessoal talvez tudo possa acontecer de forma diferente, também mais impessoal. Mas no Pico a ilha ficou literalmente de luto, atordoada na sua pequenez e no seu pessoalismo.

Não é objectivo desta crónica descortinar responsabilidades nem descobrir culpados do que quer que seja. Mas tão somente chamar a atenção para um tipo de situação que já ocorreu e que poderá, infelizmente, vir a repetir-se.

A questão da morgue/morgues (?) do Pico tem que se devidamente equacionada de modo a que no futuro as pessoas possam ter a possibilidade de acompanhar com dignidade os seus defuntos e não terem que, eventualmente, disso serem privados permanecendo, literalmente, à chuva e vento.

A lei tem que ser cumprida mas as pessoas, mesmo depois de mortas, têm de ser respeitadas.

Ao fim e ao cabo é uma questão de sensibilidade e de bom senso e para a qual se chama a atenção dos intervenientes mais responsáveis, nomeadamente do Ministério da Justiça e da Secretaria Regional da Saúde e Segurança Social.



P E D R O  DA M A S C E N O

quarta-feira, abril 12, 1995

As lanchas do Pico

FACE OCULTA


AS LANCHAS DO PICO UMA AUTÊNTICA POUCA VERGONHA


Embora este tema já tenha feito correr muita tinta, pouco ou nada mudou na mentalidade de quem continua a planear (?) este serviço público de importância crucial para as duas ilhas vizinhas.

Com frequência crescente, vemos citar os números extremamente significativos de passageiros que cruzam o canal Faial-Pico ao longo do ano. Citações que têm mostrado incapazes de suscitar as correlativas e fundamentais mudanças.

Os terminais, com especial ênfase para o do Pico, continuam a não oferecer um mínimo de condições de dimensão, conforto ou mesmo higiene. As condições de chegada e saída e o tratamento das bagagens continuam a ser perfeitamente caóticas, não respeitando qualquer tipo de regras. E os horários, sobretudo estes, continuam a fazer-se segundo um figurino completamente ultrapassado e já não corresponde a qualquer realidade actual.

De bom, pouco mais se faz do que adquirir o Cruzeiro do Canal que, é forçoso reconhecê-lo, veio melhorar de forma dramática as condições de travessia do canal. Quem não se lembra das travessias na Calheta ou mesmo na Espalamanca? Mas ficámos por aí, em matéria de inovação.

Continua a ser completamente proibitivo transportar um carro entre o Faial e o Pico, situação que poderia ser extremamente frequente e, deste modo, altamente lucrativa para que a empresa concessionária. Está anunciada a vinda de um barco com condições para transportar veículos. Aguardemos os preços e horários.

Hoje, mais do que nunca, a vida das duas ilhas vizinhas depende da qualidade e frequência das ligações marítimas. Como compreender, portanto, que se continuam a praticar horários completamente desajustados de todas as realidades nomeadamente do facto de a TAP escalar o aeroporto da Horta e serem inúmeros os passageiros provenientes ou com destino ao Pico?

Nada é feito a pensar nessa realidade ou mesmo no facto de que as pessoas que deslocam entre as duas ilhas não dependem, na esmagadora maioria dos casos, de ligações terrestres completamente obsoletas. Ou então que os utentes que se deslocam em função dos mais variados interesses e necessidades não podem estar condicionados por horários que apenas faziam sentido há 20 anos.

Como se perceber que a última lancha entre o Pico e o Faial seja às 16H45 com saída da Horta às 16 quando às 20 horas ainda é perfeitamente dia!? Ou que ao Domingo e dias feriados continue a haver apenas duas lancha? Ou que, mesmo de Inverno, se continue a não fazer viagens de noite com argumentos perfeitamente pueris?

Será que os horários das lanchas são feitos com o objectivo primordial de defender os interesses das tripulações em vez dos interesses dos utentes que deviam constituir a razão de fundamental da companhia?

O serviço de lanchas do canal é um serviço público da maior importância para o quotidiano de faialenses e picoenses e, sobretudo destes, agora que o governo decidiu que os doentes do Pico têm quase que passar, sempre e inexoravelmente pela Horta mesmo que tenham indicações para especialidades não existentes no Faial!...Se já dantes essas ligações eram importantes, ganham, agora, redobrada importância até no plano ético.

Já que os doentes do Pico têm que passar a vida a corres para o Faial, ao menos que se lhes poupe as despesas e os incómodos das noites que lá têm que ficar por causa de uma simples consulta ou exame. Porque são muitas de facto as pernoitas e refeições que os picoenses têm que fazer no Faial por causa de horários de lanchas completamente desajustados da realidade.
Nos dias que correrem já não faz qualquer sentido – a não ser por interesses que nada têm a ver com os passageiros – que haja o corte da lancha da tarde durante o inverno. Possivelmente poderia ser um pouco mais cedo, por exemplo com partida, antecipada, da Horta paras as 17H30 e com a consequente alteração também da lancha das 13 que poderia antecipar-se para as 12 ou 12H30, mas nunca eliminada, pura e simplesmente.

Os utentes das lanchas do canal já não utilizam na sua grande maioria, como já se disse, os transportes públicos.

O que as pessoas de facto precisam, hoje em dia, é de horários que comecem cedo no dia e acabem ao fim da tarde com uma lancha intermédia organizada em função da última seja de Verão seja de Inverno. Horários que lhe permitam utilizar a TAP na Horta, ir ao médico ou às compras ou então fazer o seu negócio sem terem que andar às correrias ou então, o que ainda é pior, terem que gastar desnecessariamente dinheiro (que às vezes nem possuem) em alojamentos e refeições.

Para já não falar nas repercussões extremamente negativas para o turismo, sector que tem vindo a assumir importância crescente para as duas ilhas e cujo sucesso muito contribuirá a política dos transportes não só entre o Faial e Pico mas também entre estas e S. Jorge porque está, novamente na moda falar no triângulo. Mas nunca haverá qualquer triângulo, seja de ângulo aberto ou fechado, enquanto estas ilhas não forem ligadas pelo mar de forma racional e sistemática.

É urgente que a política de ligações marítimas entre o Faial e Pico seja devidamente repensada e que não se deixe ficar ao simples arbítrio da empresa concessionária.

Assim o mandam os imperativos de carácter social e económico para já não falar em linear senso comum.


P E D R O  DA M A S C E N O
                                                                            



quarta-feira, março 15, 1995

UMA AUTONOMIA FOLCLÓRICA?


FACE OCULTA
  
A ENCRUZILHADA DO DESENVOLVIMENTO

UMA AUTONOMIA FOLCLÓRICA? 


Se há questão que, nos dias de hoje, parece perfeitamente consensual é a da extrema necessidade que os Açores têm de assegurar o seu desenvolvimento económico como forma de garantir o correlativo desenvolvimento social e cultural. Porque sem a criação de riqueza e consequente auto-suficiência económica jamais os açorianos poderão governar-se a s próprios e a autonomia será crescentemente menos tranquila e mas folclórica.

O balanço do tecido empresarial e das forças produtivas ao fim destes, já largos, anos de autonomia constitucional é francamente pouco animador. Do tempo das vacas gordas, sobretudo dos milhões do 1º quadro comunitário de apoio ficou-nos uma economia regional muito vulnerável, sem uma estratégia clara e sem meios financeiros imprescindíveis à sua expansão.

Situação que é preocupante mesmo nas ilhas de Terceira e São Miguel que, apesar das suas características demográficas inteiramente diferentes do resto do arquipélago e de estarem junto dos centros de decisão regional, não conseguiram, mesmo assim, estruturar, de forma satisfatória, as respectivas economias.

E que se torna menos satisfatória ao constatar-se que a economia açoriana também não foi capaz de criar condições para tomar atractivo o investimento exterior à Região, de proveniência nacional ou mesmo estrangeira. Déficite que se tem vindo a mostrar gravoso face à muito fraca capacidade de investimento privado regional para assegurar ao aparelho produtivo aqueles meios.

Nas ilhas ditas pequenas a situação é bem pior já que a generalidade das empresas locais estão descapitalizada e não se vislumbra sangue empresarial novo suficientemente ousado para vencer a barreira do desencanto e da inércia que se gerou e que deixa as próprias autarquias numa situação muito difícil.

Naturalmente que, à partida, o desafio de desenvolver os Açores era uma tarefa extraordinariamente difícil dada a exiguidade do mercado e a nossa situação ultraperiférica. Somos, e temos que assumir isso sem qualquer complexo, muito poucos vivendo numa área muito pequena, ainda por cima dispersa por ilhas, com muito poucos recursos naturais. Temos contra nós a dimensão, a dispersão, a distância dos grandes mercados e a falta de recursos.

Produzimos muito pouco do que consumimos e para o pouco exportável que produzimos temos, sempre, que contar com o ónus dos transportes e com a competição sofisticada do mercado europeu em que, de forma irreversível, estamos integrados. Se em Portugal o interior (desde Trás-os-Montes até ao Alentejo) continua a desertificar-se e está ali, a dois passos da Europa, o que dizer de nós?

O que temos então? Temos uma região extraordinariamente dotada do ponto de vista natural com índices de poluição muito baixos e com características de segurança e tranquilidade ímpares. Somos um dos últimos, senão mesmo o último, lugares da Europa aonde não chegaram, ainda, as “hortas” de turismo de massa com todo o rol de efeitos deparadores. Somos uma região linda, provinciana e calma. Predicados que muito nos orgulham e nos permitem, quando as condições económicas são adequadas, uma excelente qualidade de vida. De algum modo, e ainda bem, paramos no tempo desta desenfreada correria para o abismo em que se tornaram a generalidade das sociedades modernas.

Mas nada disso, infelizmente, nos garante, por si só, o pão para a boca. Os jovens, a nossa nata e a nossa garantia de futuro, abandonam-nos para procurarem oportunidades de emprego e de progresso. Os velhões envelhecem ainda mais e os assim-assim começam a envelhecer. Os dinheiros destinados a sectores essenciais para o nosso bem-estar com a saúde e a educação começam a faltar perigosamente e, paulatinamente, o desencanto e a falta de perspectivas futuras instala-se em todos nós.

Porque dinheiro não é uma coisa que cai do céu. Ou conseguimos criar riqueza para assegurar a satisfação dos nossos padrões de vida ou teremos que os baixar, drasticamente, a curto prazo. Os dinheiros da comunidade europeia estão cada vez mais difíceis e vão parar, os da base das Lajes já acabaram e os das transferências do orçamento geral do estado para a região vão ser progressivamente mais problemáticos.

Resta-nos, portanto, a nossa própria capacidade e imaginação para conseguirmos encarar os desafios do nosso imprescindível e inadiável desenvolvimento. De nada adiantará escondermos a cabeça na areia. Todos os nossos indicadores económicos são preocupantes e é isso mesmo que o comum dos açorianos vive um momento crucial da sua história: a encruzilhada do desenvolvimento.

Ou somos, nós próprios, capazes de encontrar as soluções e as saídas (independentemente de todas as ajudas e incentivos externos que possamos encontrar e que temos mesmo que encontrar) ou teremos que baixar os braços e aceitar a ideia de que a livre administração dos Açores pelos açorianos foi apenas um sonho inatingível.

Não podemos é fingir que tudo corre menos mal ou arranjar bodes expiatórios para as nossas próprias deficiências.

Um grande esforço conjunto – englobando governo e administração regional, banca, empresários, trabalhadores e população em geral – tem de ser feito. Medidas corajosas e realistas de contenção e rigor orçamental para gastos supérfluos e investimentos não produtivos terão que ser tomadas e terá de ser assegurada a disponibilização de meios financeiros e técnicos para o investimento produtivo. Medidas que terão que ser precedidas e acompanhadas de um grande debate de ideias a todos os níveis desde o político e técnico até à sociedade civil em geral.

O funcionalismo público (com especial enfase para o nível médio e superior) e os políticos terão que deixar de ser os entes privilegiados para serem equiparados aos restantes cidadãos. Terão que passar a reger-se pelas mesmas regras dos cidadãos do aparelho produtivo: só há trabalho e pão se houver produção e a um melhor salário deverá corresponder sempre um menos empenho e uma maior capacidade.

Os açorianos habituaram-se a viver acima das suas possibilidades na crença algo ingénua de que no final haverá alguma entidade acima das suas cabeças que tudo irá resolver. Mas não há. Demos provas, ao longo de 500 anos, de tenacidade, imaginação e espírito de sacrifício bem patentes na nossa sobrevivência. Apenas essas qualidades nos poderão agora, salvar de eminentes hipotecas.

Se assim não for, caminharemos, a passos muito largos, para uma autonomia eminentemente folclórica com o presidente do governo regional e respectivo elenco governativo, porventura, reduzidos a um papel essencialmente administrativo e decorativo.

Sem dinheiro e, o mesmo é dizer, sem meios financeiros não há autonomia que resista, pesem todos os discursos políticos e declarações de intenção, todos os decretos-lei e mesmo a própria constituição.



P E D R O  D A M A S C E N O


segunda-feira, fevereiro 27, 1995

SERÁ A VACA SAGRADA?


FACE OCULTA

SERÁ A VACA SAGRADA?


Temos sido, nos últimos tempos, bombardeados com notícias provenientes de Inglaterra e referentes à oposição que naquele país tem merecido, por parte de grupos ligados à protecção dos animais, o transporte de gado vivo.

Posteriormente fomos informados da existência de uma directiva comunitária que se destina a abolir aquele tipo de transporte no espaço europeu. Directiva que, de imediato, provocou reacções de grande preocupação por parte de sectores regionais ligados à lavoura, sabido o grande número de vacas que são enviadas, vivas, para o continente com destino ao abate.

Embora sejam perfeitamente questionáveis os exageros de grupos ecologistas, verdes e similares que defendendo causas, à partida justas, se embrenham em manifestações fundamentalistas e pouco realistas; nunca é demais realçar a importância do equilíbrio ecológico e o direito à existência e sobrevivência de mais ínfima partícula da natureza, viva ou não.

O homem, sem que ninguém o tivesse mandatado para isso, arrogou-se em senhor do universo decidindo quem morre ou quem vive ou então- tratando-se de matéria viva – o que desaparece ou permanece. Ignorando, na maior parte dos casos, que está a alterar o seu próprio habitat, o seu ecossistema, as suas próprias e imprescindíveis razões de vida. E é por essas e por outras que o Pico, e os Açores, ainda têm um valor inestimável. Ainda então, digamos assim, mais perto de Deus ou, se preferirem, da natureza intocada.

O homem é, indiscutivelmente, o maior depredador da terra. Não olha a nada nem a ninguém para atingir os seus fins que, tantas vezes, são bem mesquinhos e egoístas. Invariavelmente em nome de um progresso que, mais tarde ou mais cedo, se transforma num tiro pela culatra: por um lado obtém níveis de conforto (?) e bens materiais cada vez maiores mas por outro vai perdendo qualidade e vida ao transformar a selva das florestas tropicais em selvas de betão.

De modo que tem decidido, ao longo da história, que é o rei e senhor absoluto de tudo isso que nos rodeia. E que a sobrevivência de tudo o testo, incluindo os seus próprios semelhantes (veja-se o holocausto, o Ruanda, os conflitos da Rússia e da Bósnia), depende da sua soberana vontade.

Mas pergunta-se: porque razão tem a vida da mais humilde planta ou do mais pequeno animal menos importância que a vida humana? Apenas pelo facto de o homem ser mais forte?

Não vamos, naturalmente, cair noutro tipo de exageros apregoados um outro tipo de fundamentalismo. É lícito que o homem abata animais, utilize plantas e remova mas apena e enquanto isso for imprescindível à sua existência, à semelhança do que acontece com os restantes seres vivos. Só assim conseguiremos manter o equilíbrio da natureza que é imprescindível à nossa sobrevivência integral e não apenas à sobrevivência de uma civilização afogada em frustrações, crime e comprimidos. Porque os grandes com que a humanidade se debate têm tudo a ver com o desrespeito total que mantemos pelo equilíbrio deste depauperado planeta em que vivemos.

Mas perguntar-me-ão: afinal que é que isso tem a ver com o transporte das vacas açorianas para Lisboa? Tem tudo a ver. Porque as vacas são seres vivos, embora tendo quatro patas e não falando ou pensando (?), e fazem parte do nosso sistema. Não fomos nós que inventamos a vaca ao contrário do carro ou da bicicleta.

De modo que é lícito e compreensível que os agricultores criem as suas vacas porque são uma condição importante para a sua sobrevivência e que as exportem para Lisboa mas é igualmente lícito que as pessoas percebam que esse envio é feito em condições deploráveis para animais que são arrancados do seu habitat natural e enviados com destino a abate.

Por conseguinte, começar a criar condições para que o abate seja local e se faça com menor sofrimento para os animais é um imperativo de ma sociedade civilizada e cuja iniciativa deverá caber, em primeira mão, ao Governo que deve criar as condições para que isso seja possível. Tanto mais que, embora seja possível adiar por alguns anos (?) a aplicação da directiva à Região, a sua aplicação futura será, e bem, inevitável. É preciso não confundir os interesses legítimos dos lavradores com barbaridades desnecessárias.

A vaca não é sagrada mas é um animal que, como qualquer outro, deve ser respeitada, que mais não seja porque proporciona o pão para a boca de muita gente.



P E D R O  D A M A S C E N O


quarta-feira, fevereiro 22, 1995

O render da guarda

O render da guarda


O congresso nacional do PSD que agora terminou, encerrou, indiscutivel­mente, mais um ciclo da vida política portuguesa. Porque constituiu a resposta partidária ao fim do mito da maioria absoluta (que, agora, já ninguém no PSD reivindica com voz grossa) e gerou uma liderança extremamente fragilizada.

Vencedor claro apenas parece ter sido MotaArnaral que viu os ”seus”quarenta e tal por cento de votos adquirirem uma mais valia crucial para a lista vencedora. Valia imprescindível à vitória de Fernando Nogueira que fica, assim, com um pri­meiro vice presidente que lhe irá cobrar essa mais valia de imediato como ficou claro nas declarações que o presidente do governo regional produziu mesmo em cima do acontecimento.

Situação que, contudo, não produzi­rá efeitos se o PSD não ganhar as legis­lativas já que uma derrota dessas, a concretizar-se, não só porá esse partido fora da órbita do poder como porá fim à carreira política de Nogueira. A margem de votos foi de tal maneira escassa - sobretudo tendo em conta que os nogueiristas falavam em 60% dos votos e que a lista vencedora iniciou a corrida para o poder com o apoio generalizado do aparelho do partido - que ou o actual líder consolida o seu poder através de urna vitória nas legislativas ou fica sem condições objectivas para liderar o par­tido.

A chegada ao poder da nova equipa dirigente fez-se por um triz, foi uma vitória com sabor a derrota.

Para Fernando Nogueira as próxi­mas legislativas serão o tudo ou o nada. Ou consolida a sua liderança com uma vitória clara nas legislativas ou seus adversários internos - que são muitos e com muito peso -não lhe darão qualquer hipótese de sobrevivência pesem, embo­ra, todos os discursos de unidade que foram proferidos no encerramento do congresso. 0 ministro da defesa recebeu um verdadeiro presente envenenado: uma moratória que durará até às próximas eleições, uma verdadeira caminhada em cima de brasas quentes.

E vencer as próximas legislativas não vai ser tarefa nada fácil para o PSD do Nogueira.

Tem atrás de si um partido que ainda vive uma crise de orfandade que só po­derá ser, eventualmente, debelada se Cavaco Silva for candidato às presidenciais e este não irá certamente tomar uma posição sobre o assunto antes de saber como o eleitorado se vai comportar. Porque uma vitória legislativa dos social democratas poderá criar um élan de vitórias imbatível para Cavaco alcançar Belém mas uma derrota poderá consti­tuir um factor desmobilizador decisivo para um homem que não está habituado a perder. Se for, aliás, esse o seu desejo o que ninguém, verdadeiramente, sabe.

Portanto Nogueira poderá contar, fundamentalmente, consigo próprio e com os seus colaboradores mais chegados. Os outros não irão, obviamente, fazer activamente força contra mas irão adoptar uma posição passiva porque sabem que se o actual líder não passar este teste as suas hipóteses do ascender ao poder irão ficar extremamente reduzidas para os próximos anos e a política é, essencialmente, m jogo do poder cm regras muito fratricidas.

E como Mota Amaral está no mesmo barco poderá aplicar-se-lhe a mesma lógica: ou a equipa de que faz parte ganha as legislativas e, então sim, po­derá tirar os dividendos políticos do to­toloto em que se meteu ou, de outro modo ficará, também, em maus lençóis par­tidários.

E como se tudo isto não bastasse, os actuais lideres do partido do governo debatem-se com outro dilema ou defen­der eleições antecipadas e, desse modo, não terão tempo para tomar conta a sério do partido, para definir uma linha es­tratégica reflectida e para não decidirem em cima do joelho as listas de deputados o que, em virtude do equilíbrio de forças, não será tarefa fácil; ou então defendem as eleições na data normal e continuarão a sofrer o desgaste do um governo que já não passa senão de uma amálgama de pessoas com ideias diferentes, publicamente assumidas, capitaneados por um ex-líder que se desiludiu, pelo menos, do poder executivo.

Contudo se o PSD ganhar as próximas eleições e os votos dos Açores se demonstrarem, mais urna vez, imprescindíveis para a formação do uma maioria, ainda que relativa, Mota Amaral ficará imparável, quem sabem se para Belém?

PEDRO DAMASCENO

sexta-feira, janeiro 13, 1995

PLANO E ORÇAMENTO PARA 1995


FACE OCULTA


PLANO E ORÇAMENTO PARA 1995


Morto e enterrado o plano e orçamento para 1995, de má memória para o Pico, iniciou-se o novo ano sob o signo da estagnação do investimento público. As forças políticas aquietaram-se e tudo voltou a uma aparente normalidade.

Feito o balanço terá de se chegar à conclusão inevitável que o Pico estava antecipadamente derrotado quando a proposta do plano e orçamento deu entrada na Assembleia Regional dos Açores. Pela razão, simples e elementar: de que este tipo de documentos, pelo peso e significado político que acarretem e pelo ambiente de maioria parlamentar confortável que o PSD dispõe, dificilmente são significativamente alterados em sede de plenário.

Documentos deste peso são, naturalmente, decantados ao logo do ano e sobretudo nos três ou quatro meses que precedem a sua apresentação. E é nesta fase que as opções são tomadas e as pressões dos vários lobbies do partido fazem sentir a sua influência. Porque aí as coisas decorrem à porta fechada e longe dos olhos e ouvidos do grande público, e sobretudo da comunicação social, proporcionando desse modo e sem perda de face, alterações substanciais.

Embora a fase inicial de elaboração de um plano seja de caracter essencialmente técnico, já se faz sobre opções políticas que servem de bússola aos técnicos. Estes por sua vez, pesados os haveres e deveres, são o inevitável feedback aos políticos que terão que condicionar algumas opções políticas iniciais à frieza dos números e sobretudo às receitas. Fase em que os mais avisados exercem a pressão possível, conscientes de que quanto mais cedo o fizerem mais oportunidades de êxito terão, para que as suas aspirações tenham vencimento.

Quando o documento, finalmente, conhece a luz do dia e se torna público pouco ou nada, habitualmente, é alterado. Em primeiro lugar para não abrir precedentes que serão sempre difíceis de gerir pelo executivo e em segundo porque este tem conseguido, ao longo dos anos, um comportamento dócil dos seus deputados, facto que o põe a coberto de eventuais dissabores na Assembleia. E por outro lado, quem realmente tem peso no partido e no Governo, já, atempadamente, fez valer as suas teses.

De modo que começar a fazer reivindicações para alteração do plano e orçamento quando ele é já público, é praticamente o mesmo que chover no molhado. Só mesmo um terramoto político poderia alterar substancialmente o documento. Essa tem sido a experiência na Região e no Continente desde que o PSD tem detido maiorias absolutas.

Circunstância que torna esta reflexão num “recado” praticamente directo para os políticos picoenses afectos à maioria, nomeadamente deputados e presidentes de câmara. Porque, é agora e já, que todos eles têm que começar a trabalhar juntos das mais variadas instâncias com vista à elaboração do plano e orçamento de 1996 tecendo u conjunto de contactos, influências e pressões que venham a viabilizar as suas teses a tempo e a horas nos locais certos.

Sem prejuízo de todas as posições públicas que venham a tomar ao longo do ano, circunstância que poderá dar ais consistência e força às suas reivindicações mas que não será determinante, como a prática tem demonstrado, para a formação da decisão do governo.

As grandes necessidades do Pico (aeroporto, escolas, estradas, orla marítima, etc.) têm que ser acauteladas desde já num trabalho – que tantas vezes terá de ser de sapa – que garanta que a ilha, no próximo ano, não volte a ser surpreendida por orçamento completamente restritivo.

Os políticos do PSD, eleitos pela Ilha do Pico, têm um capital político que terão que saber utilizar, decididamente e a tempo, e que poderá ser determinante no desenvolvimento da ilha. A situação de maioria absoluta que o seu partido detém na Região confere-se responsabilidades acrescidas já que as armas que a oposição dispõe são muito mais frágeis.

Porque solicitar e conseguir maiorias absolutas se, por um lado, confere maior governabilidade traz, por outro, responsabilidades acrescidas. E é por isso mesmo que ninguém tem dúvidas que o péssimo plano de orçamento que o Pico conseguiu para 1995 é da inteira responsabilidade do PSD e dos seus políticos.

Do mesmo modo, e porque em 1995 não vai haver eleições legislativas regionais, também o será em 1996. O que põe a fasquia bem alta para os políticos social-democratas picoenses.

Sem apelo nem agravo.


P E D R O  D A M A S C E N O

sexta-feira, dezembro 30, 1994

GENTE POSITIVA


FACE OCULTA


GENTE POSITIVA



A muito pouco tempo do final do ano, nada melhor do que um pouco de reflexão.

Mais de 365 dias estão prestes a desaparecer na viragem da vida, num desfecho que convencionamos comemorar e de designar de passagem de ano. Normalmente de forma mais ou menos elegante conforme a disposição e a bolsa. Ao fim e ao cabo apenas mais um pouco de consumismo que não faz mal a ninguém e ajuda o sector hoteleiro e correlativos.

Mas pode ser também, uma boa oportunidade para fazer balanço do ano que passa a definir propósitos para o que começa.

Porque a humanidade, os países, as igrejas, os partidos, os clubes, etc., são, fundamentalmente, conjuntos de pessoas que lhes dão corpo e moldam a sai imagem. Porque a célula mais pequena de todas essas entidades ou instituições é sempre o homem. Homem que, por essa circunstância é sempre o primeiro responsável pela sua evolução. Sempre desde o mais alto dirigente ao mais modesto cidadão, do mais criativo artista à mais banal criatura.

E, contudo, quando nos sentamos à frente da televisão e vemos desfilar perante nós as grandes misérias e as grandes glórias do nosso quotidiano temos, quase sempre, a tendência para achar que isto ou aquilo tem pouco a ver connosco. Sejam os fundamentalistas islâmicos, os soldados fratricidas da Bósnia, as estrelas de Hollywood, os deputados à Assembleia da República, a família real inglesa ou mesmo os jogadores de futebol do nosso clube preferido.

Mas, por incrível que pareça, isso tem tudo a ver connosco.

Apenas, essa ligação existe de forma mais longínqua ou mais próxima. Apesar de todas diferenças o que nos une – humanos – é sempre mais do que nos separa. É a força intransponível de sermos uma espécie animal, com as características comuns forjadas pelo material genérico que nos confere uma identidade comum, pesem as diferenciais raciais, geográficas e culturais.

Qualquer ser humano – por muito poderoso, capaz ou inteligente que seja – não pode jamais substituir-se à sociedade nem vice-versa. O homem é um ser gregário e vivendo, desde sempre, em grupos. Condição que se tem mostrado indispensável para a sua sobrevivência. Naturalmente que há pessoas que por razões muito diversas influenciam ou influenciaram mais os destinos da humanidade do que outras.

 Mas todos e todas a gente influencia os destinos da sua comunidade, do seu partido, dos eu clube, da sua terra, do seu país, da humanidade. Pela razão elementar que somos a sua célula básica. Portugal não é apenas aquilo que o Dr. Mário Soares e o Prof. Cavaco Silva, os deputados ou governo representam. Portugal é o somatório de todos nós portugueses da mesma forma que a humanidade é o somatório de todos nós portugueses da mesma forma que humanidade é o somatório de todos nós humanos, sejam eles da Calheta do Nesquim ou da Bósnia Herzegovina.

De modo que talvez seja tempo de nos começarmos a assumir da nossa verdadeira dimensão que é um misto de grandeza pequenez: de grandeza porque a humanidade é impensável sem nós, de pequenez porque não passamos de grãos de areia. Mas de grãos de areia são constituídas grandes montanhas que nem por serem colossais os podem dispensar.

E se o mundo não é melhor é porque a humanidade no seu conjunto, e cada um de nós, em particular, não tiveram capacidade para fazer melhor. Verdade que se torna importante realçar numa época em que os fenómenos de massificação (sobretudo através dos média) e de despersonalização atingiram proporções muito preocupantes. Circunstância que muita boa gente evoca para justificar as suas omissões e os seus erros: “para que me vou eu chatear ou armar em sério se ninguém liga nada a isso?”

E de facto a vida moderna cada vez mais se transforma numa correria acéfala e irresponsável para a cova. Pouca gente pára para pensar e para se indagar sobre o que a faz correr. Tudo corre atrás de foguetes – quando mais coloridos melhor!

E, no fundo, tudo é bem mais fácil do que parece. Se todos nós, individualmente, lutarmos para ser cidadãos de bem – gente positiva – a humanidade será também mais positiva e o mundo melhor. E não adianta atirarmos pedras a quem quer que seja – político, líder religioso ou mesmo o vizinho da porta – antes de nós próprios sermos capazes de nos conduzir na senda da liberdade da justiça e da fraternidade. Valores que não poderão deixar de estar presentes em qualquer sociedade que aspire a ser civilizada.

De gente positiva é que este ano de 1995, que nasce agora, precisa.


P E D R O  D A M A S C E N O


sexta-feira, dezembro 16, 1994

OS CAPADORES DA ILHA (III)


FACE OCULTA


OS CAPADORES DA ILHA (III) OS FILHOS DA CAPADELA



Encerrados os debates parlamentares e votado o orçamento regional para 1995, correu o pano sobre mais um acto da farsa em que este nosso quotidiano picoense transformou.

Depois de tudo o que foi dito e redito por toda a gente, nomeadamente pelos nossos políticos da situação, o Pico ficou mesmo sem verba que estava contemplada no plano a médio prazo para 1995 e que se destinava ao aumento da pista da ilha. Opção que estava feita, depois de discutida e rediscutida desde os tempos em que foi inaugurado o aeroporto que já, então, devia ter tido a largura que ainda hoje não tem.

Mas nessa altura, como ainda hoje, não prevaleceu nem o bom senso nem sequer uma elementar conta aritmética. O que, ontem, teria custado literalmente mais tostões iria custar, hoje, três centenas de milhares de contos e custará provavelmente, amanhã, o dobro. Quem inscreveu, no início desta legislatura, uma verba substancial no plano a médio prazo para o alargamento da pista do Pico não o fez, certamente, de ânimo leve. Deve ter tido, como é lógico, razões poderosas que, posteriormente, tudo e todos vieram confirmar.

Razões que não foram postas em causa por uma recém-inventada surrealista teoria que afirma que a espessura da pista do Pico não é satisfatória e que alargar a pista significaria refazer todos o piso betuminoso o que atiraria os custos para valores astronómicos! Uma tese desprovida de qualquer fundamento técnico e para cuja confirmação científica insuspeita, desde já, se lança aqui o repto a quem tem direito. 

Contexto em que os deputados picoenses eleitos pela maioria regressaram ao Pico, com o rabo entre as pernas, trazendo apenas um salvar de face consubstanciando numa humildérrima verba de 10.000 contos destinados à realização de um estudo (agora?) de viabilidade do aumento da pista!

Contrapartida que conseguiram obter, possivelmente a ferros, em relação aos mais cerca de 800 mil contos que São Miguel conseguiu obter para 1995! Por pouco não voltaram completamente desfeiteados.

Porque esses 10.000 contos foram apenas isso: um salvar da face dos deputados picoenses do PSD que votaram a favoravelmente um orçamento que retirou ao Pico uma verba avultada já consagrada num plano a médio prazo e reivindicada por todos os sectores da ilha capitaneados pelo Conselho da Ilha.

Se é verdade que em termos estritamente, aritméticos 10.000 contos é melhor do que nada não é menos verdade que os autarcas e deputados da ilha eleitos pelo PSD sofreram uma humilhante derrota infligida pelo seu próprio partido. Derrota infligida pelo seu próprio partido. Derrota que calaram em troca de um prato de lentilhas.

Só se pode esperar, agora, é que possam tirar dessa grande derrota as respectivas lições e prepararem o futuro que, pelos vistos, não se apronta para lhes ser grandemente favorável. Hoje foi a pista, a seguir serão os muitos projectos que vão ter que ficar na gaveta à espera de melhor oportunidade. É assim a política mesmo para quem se acolhe debaixo de protecção do sombreiro governamental!

Mais uma vez os capadores da ilha mostraram que estão activos e não brincam em serviço. Venham eles disfarçados de directores regionais munidos de pseudo argumentos técnicos, de administradores da SATA com estatísticas de cancelamentos misturando alhos com bugalhos ou de joviais e gozadores deputados da ilha capital.

A ilha do Pico não precisa de uma pista em condições porque tem sonhos inconfessáveis ou inconfessados de ter TAP ou de ter charters (se calhar até poderia vir a ter, um dia, esses sonhos uma vez que o sonho comanda a vida!). O que o Pico precisa, urgentemente e agora, é de ter um aeroporto que permita uma operação normal da SATA nomeadamente no Inverno e é essa a reivindicação que todas a gente sensata advoga. O resto são histórias da carochinha.

E o que nos deixa a nós todos como filhos da capadela.


P E D R O  D A M A S C E N O