segunda-feira, maio 30, 1994

EUROPA POR UM CANUDO


FACE OCULTA


EUROPA POR UM CANUDO


Independentemente dos resultados obtidos por qualquer das forças partidárias em contenda o dado político mais relevantes das passadas eleições europeias foi a altíssima abstenção que rondou os 65%. Ou, por outras palavras, apenas 35 portugueses em cada 100 entenderam ser necessário ou importante votar para o Parlamento europeu. Ou seja, apenas acerca de um terço dos nossos eleitores se deu ao trabalho de se deslocar às assembleias de voto!

Descontados alguns aspectos secundários como são o facto de a votação ter ocorrido no meio de uma “ponte” que foi aproveitada por muitos portugueses para num curto período de férias, a acompanha não ter conhecido o entusiasmo e a dimensão de outros actos eleitorais e mesmo o facto de a abstenção ter sido também significativa noutros países europeus, ficam-nos números que têm de ser analisados de forma isenta e objectiva.

E a grande conclusão é evidente: a maioria esmagadora dos portugueses esteve-se nas tintas para as eleições europeias.

A partir daí os resultados obtidos pelos próprios partidos têm que ser vistos numa perspectiva altamente condicionada. Provavelmente foram apenas o resultado da votação dos respectivos eleitorados fixos, ou seja dos militantes mais activos e empenhados de cada partido e que, habitualmente, vão a todas. O que, se calhar, poderá constituir para os partidos uma oportunidade de ouro para contarem as “armas” seguras com que contam em delinearem estratégias futuras.

Porque se tratou da maior abstenção verificada em Portugal nos últimos 20 anos estamos perante um fenómeno social da maior relevância. Irando os ditos militantes activos de cada partido independente e que se caracterizam por um elevado sentido cívico de participação social e política.

O que significa que, em termos sociológicos e políticos, os resultados eleitorais têm que ser vistos no contexto de representarem, apenas e somente, o sentido do voto de uma ou duas faixas de cidadãos de características bem definidas.

Ficam os restantes que constituem a generalidade dos portugueses e que vão desde os que não quiseram ter a maçada de ir votar aos que quiseram mostrar aos partidos, de forma geral, que estão fartos de tanta política e tanta politiquice e de tantos actos eleitorais que em pouco ou nada resultam para a modificação das suas vidas quotidianas. Como também significará que, para muitos portugueses, a política que interessa não vai além da paróquia e dos seus interesses imediatos e que não tem qualquer noção de caracter mais geral, nomeadamente europeu.

Possivelmente para muitos portugueses a Europa continua a ser um slogan que pouco ou nada lhe diz. Tornou-se moda falar da Europa, dos fundos comunitários e das directivas, e entendeu-se que os portugueses estavam com ela. E, se porventura, os portugueses não estão contra a comunidade europeia – e de forma activa não estarão – também não estão minimamente empenhados na sua construção ou conscientes da sua eventual importância para as suas vidas diárias.

Doutro modo não faz sentido que a generalidade dos cidadãos se tenha abstido.

A vitória nestas eleições, de quem quer que ela seja, terá sempre um sabor amargo porque apenas representará o sentir de uma minoria muito magra dos portugueses. Os partidos apenas viram os portugueses pelo buraco da fechadura. Os hipotéticos votos de quem não votou não contam nem podem contar. O que conta foi o surgimento na sociedade portuguesa de um fenómeno sócio-político da maior importância e que não deverá ser objecto de explicações simplistas ou, o que é pior, oportunistas. Os cidadãos absentistas não nomearam, ao que se sabe, qualquer porta-voz.

Se houver empenhamento e seriedade por parte do estado apenas haverá, portanto, um caminho: a realização de um estudo de opinião a nível nacional, exaustivo e totalmente isento, que nos venha dar uma explicação cabal e objectiva do que se passou. Só assim as diferentes forças partidárias e o próprio governo estariam em condições de intervir, de forma positiva e adequada, numa sociedade que deu um berro de protesto (?) mas não se explicou.

Finalmente um facto marginal mas que tem importância para uma crónica sobre abstenção escrita nos Açores: pela primeira vez desde o 25 de Abril a abstenção na Região foi menor que a nível nacional. Fenómeno interessante e que constitui um recado claro para o Partido Socialista que, em mais uma prova da sua incapacidade de se postular como alternativa ao partido Social Democrata nos Açores, não inclui nas suas listas, em lugar ilegível, um candidato açoriano. Uma boa razão de reflexão para uma força partidária que persiste numa trajectória regional suicida.


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quarta-feira, março 30, 1994

ILHA MAIOR E O GRANDE DESAFIO


FACE OCULTA


ILHA MAIOR E O GRANDE DESAFIO



Neste número que se quer júbilo pelo caminho já percorrido, imperioso se torna analisar os grandes desafios do futuro. Porque se Ilha Maior nasceu da necessidade de o Pico ter mais uma voz, esta tornou-se agora, num estejo imprescindível do nosso devir.

Ilha Maior tem conseguido subsistir sem ser correia de transmissão de coisa alguma, razão principal porque deve continuar. Um espaço aberto aonde todos os picoenses se revejam e aonde é possível assumir a diferença, sem constrangimento. Um jornalismo plural e regionalista mas, simultaneamente, aberto ao mundo.

E porque vale a pena continuar a fazer este jornal, com entusiasmo cada vez maior, necessário se torna a reflectir sobre os grandes desafios do futuro e do desenvolvimento, que são muitos.

Mas de todos eles avulta, com grande destaque, um que justifica o título desta crónica: o desafio da unidade da ilha.

Esta ilha, segunda em tamanho e terceira em população, continua na cauda do desenvolvimento regional. O gigante adormecido ou a pescadinha de rabo na boca. Um eterno motivo de trocadilhos, mais ou menos brejeiros.

Uma ilha em que se fez tanto, e ao mesmo tempo, tão pouco.

Porque a passada foi sempre mais pequena do que a perna. Fizeram-se hospitais, escolas, portos e aeroportos e, ao fim e ao cabo, estamos quase na mesma. Continuamos sem ter uma unidade de saúde que resolva a generalidade dos nossos problemas de saúde, sem uma escola que impeça a saída precoce dos nossos filhos adolescentes, sem um porto que garanta de forma definitiva os nossos abastecimentos e sem aeroporto que nos ligue ao exterior de forma viável e regular.

Temos tudo e não temos nada.

Uma mentalidade de campanário que nos tem amarrado à defesa, por vezes intransigente, de soluções que só visam apaziguar interesses provincianos e barristas e que tem sido o obstáculo maior ao nosso desenvolvimento.

Uma mentalidade que terá de ser radicalmente mudada sob pena de o Pico continuar a ser apenas a soma aritmética de três pequenos e pobres concelhos e jamais a ilha majestosa que aparenta. Mudanças que, em primeira linha, terá que ser protagonizada pelos responsáveis políticos, sobretudo pelos presidentes de câmara e deputados.

Mais uma vez o Pico tem três presidentes de câmara da mesma formação partidária. Situação que potencializa a possibilidade do diálogo, do consenso e sobretudo da pedagogia da unidade. Porque é exactamente de pedagogia de unidade que esta ilha está precisada. Alguém terá que dar o exemplo e quem melhor do que autarcas e deputados para o fazer?

O planeamento dos concelhos do Pico terá que ser forçosamente, e cada vez mais, fruto de muito diálogo e cooperação entre eles com vista à unidade da ilha. Seja para definir e dimensionar equipamentos colectivos seja para definir estratégias de desenvolvimento económico.

No Pico já não há lugar para jogadas de concelho e de paróquia.

Do exterior não virão ajudas. Ou os picoenses se põem de acordo e começam a defender os seus interesses de ilha de forma coerente e integrada, numa perfeita unidade de objectivos, ou continuarão a ser prisioneiros das suas próprias limitações e atavismos.

A maioria dos erros que se fizeram no Pico ficaram-se a dever em primeira linha aos próprios picoenses que não souberam defender os seus interesses de uma forma coerente e unida. Ao longo dos anos algumas vozes se têm levantado a favor da unidade mas acabaram por ser perder no ruído das confrarias e das capelas.

E o governo? O governo claro que teve e tem muitas culpas no cartório e a falta de coesão dos picoenses não pode servir de desculpa para erros crassos de planeamento que cometeu (porto, aeroporto, hospitais etc.) mas tudo talvez tivesse sido muito diferente se o Pico se tivesse assumido como Ilha, num todo integral.

Os desafios que se colocam hoje ao Pico são muitos – da modernidade, do desenvolvimento e da preservação do ambiente - mas de todos eles avulta o da unidade. Sem ela nunca haverá Pico Maior.

Por tudo isso o grande desafio que se coloca ao Ilha Maior é o desafio da unidade, da coerência e da coesão da Ilha do Pico.

Para isso as suas colunas deverão estar sempre abertas ao mais amplo debate das grandes questões que se põem à sociedade picoense, sem complexos nem peias. As balizas apenas deverão ser as do respeito e da tolerância. Sem Mais.


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sexta-feira, fevereiro 25, 1994

A RATOEIRA DA MIRATECA


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A RATOEIRA DA MIRATECA


Embora não disponha de números oficiais fidedignos, é ilícito afirmar que o troço de estrada do Pico que mais acidentes tem originado é a estrada regional que atravessa o lugar da Mirateca, da freguesia da Candelária.

Para além dos vultuosos materiais tem dado lugar a inúmeros acidentes pessoais e mesmo à morte. Será muito raro o condutor que passe regularmente naquela via que não tenha uma história para contar e que, invariavelmente, passa por picar os travões no piso molhado e ficar virado para o sentido inverso. Umas vezes com sorte, ficando-se apenas pelo susto, e outras menos afortunadas com chapa amolgada e pernas partidas.

A receita para este rol de acidentes é fácil e extremamente eficaz: via muito estreita, cheia de curvas e contracurvas com inclinações contraditórias, piso de calçada completamente polida e com banhos sucessivos de óleos e combustíveis e os inevitáveis carros estacionados em contravenção ocupando a faixa de rodagem e obstruindo curvas. Algures a tasca que, normalmente, está por trás de carros mal estacionados.

No Pico não é preciso perguntar por tascas ou cafés de freguesia. Basta ir pela estrada regional até chegar a um amontoado de carros estacionados de qualquer maneira. É tasca ou café, pela certa.

Mas não é tudo.  Antes e depois desse trajecto a estrada regional é larga e de bom piso, convidando a uma boa marcha. Um atractivo extra para o acidente. Ao fim e ao cabo há muita gente que não conhece bem a área e nada os fará supor ( porque é contra todas a lógica) que, de repente, encravada em dois troços de boa estrada regional e alcatroada vão encontrar uma via estreita e de péssimo piso pejada de carros. Via que serve pra todo o tipo de tráfego, desde transportes colectivos até porta-contentores: um constante desafio à imaginação dos condutores e às leis da física.

Todos os responsáveis sabem o que ali se passa: desde o departamento governamental das estradas até à autarquia e à autoridade policial. E, no entanto, nada se fez ou se vislumbra algo que leve a crer que alguma coisa se vá fazer. O que é tanto mais estranho quando se trata de um troço pouco extenso.

 Quantos mais acidentes, porventura até mortais, terão de se dar para que o assunto seja levado a sério num país que, agora, tanto se preocupa (e ainda bem) com a prevenção e anda com polícias de balão na mão à saída das discotecas? Como em tudo o resto o Estado deve ser o primeiro a dar o exemplo e não permitir situações que ponham em causa, constantemente e de maneira tão flagrante, a segurança dos cidadãos. Não basta mandar apertar o cinto e beber menos. É preciso que as estradas reúnam condições de segurança adequadas ao tráfico que suportam.

Como também é tempo que a polícia perca menos ânimo a catar papeis e em manobras burocráticas e se dedique mais a assegurar a segurança dos cidadãos sobretudo evitando esse verdadeiro pesadelo das estradas do Pico que são os estacionamentos de qualquer maneira e as manobras perigosas. Menos preocupação com placas de nomes ou detalhes de somenos e mais atenção ao que realmente conta na estrada: a segurança.

É certo que as estradas do Pico estão na generalidade, uma vergonha (quem não se lembra da odisseia da estrada do mistério da Silveira ou do troço da Ribeirinha – Santo Amaro, por exemplo?) mas há situações que são verdadeiramente escandalosas e esta é precisamente uma delas. Escandalosa pelo perigo constante que provoca e pela relativa facilidade com que o assunto poderia ser resolvido.

Se agora o tempo é de vacas magras em matéria de investimento rodoviário já foi de vacas gordas e nem mesmo então o assunto se resolveu. O que faltará, então? Será que os responsáveis não perceberam ainda a questão ou será que o desleixo é assim tanto?

Em tempo de CEE e de tanto investimento no turismo (um, por acaso, lá bem perto!) não faz sentido que persistam situações tão anómalas e tão contrárias ao espírito venerador, atento e obrigado que o nosso País tem sido para com o padrinho comunitário.

Para quando a extinção da ratoeira da Mirateca?


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sexta-feira, fevereiro 11, 1994

A DANÇA DAS SECRETARIAS


FACE OCULTA


A DANÇA DAS SECRETARIAS


Um dos pilares filosóficos da autonomia foi, desde o início, a ideia de que a pura transferência do centro de decisão do Terreiro do Paço para Ponta Delgada não seria suficiente para assegurar um desenvolvimento, economicamente equilibrado e socialmente justo, para os Açores.

Por isso se sediou a sede do poder executivo em S. Miguel e a do poder legislativo na Horta e se distribuíram as diferentes secretarias pelas três ilhas ex-setes de distrito. Embora em custos aumentados e alguns déficites de funcionalidade optou-se por uma solução consensual e de compromisso que conseguisse garantir, minimamente, o equilíbrio e não viesse agravar, ainda mais, as assimetrias dentro da Região. Na possibilidade de contemplar todas as ilhas procurou-se distribuir o poder político e respectivos centros de decisão o mais uniformemente possível ao longo do arquipélago. Ficando, embora, S. Miguel com parte de leão o que, também, não deixou de ser justo.

E, com maiores ou menores condições, tal opção tem-se mostrado adequada e correcta. Pecando, aqui e acolá, por defeito para as ditas ilhas pequenas em consequências de assomos centralistas das ilhas maiores e tendo como pano de fundo as disputas constantes entre S. Miguel e a Terceira. Mas confirmado, de forma indiscutível e para quem está de boa-fé, que qualquer outra fórmula mas concentracionista teria agravado substancialmente os desequilíbrios entre as ilhas e sub-regiões.

É dado adquirido, sobretudo hoje em dia em que os progressos tecnológicos nas comunicações atingiram já quase um estado de arte, que autonomia açoriana só sobreviverá se se mantiver e aperfeiçoar a descentralização dos centros de decisão. Os açores não têm dimensão nem características que tornem possível, sem grandes desigualdades e consequentes conflitos e tensões sociais, qualquer macrocefalia seja ela terceirense ou micaelense e tenha ela os fundamentos que tiver de carácter macroeconómico.

Há realidades geográficas, sociais e culturais que não podem se ignoradas pesem todos os argumentos demográficos que se queiram utilizar. Para além de que a economia não pode ser o primeiro e último argumento a esgrimir quando se abordam questões tão complexas como o desenvolvimento equilibrado e socialmente justo de um arquipélago constituído por nove ilhas tão dispersas. É bem possível que seja muito mais barato, e correcto em termos macroeconómicos, gerir os Açores concentrado toda a população em S. Miguel. Era, sem dúvida, um monte de dor de cabeças que se atirava, de uma só vez, pela janela fora.

Um cenário anedótico mas que poderá ilustrar, pelo absurdo, quanto de político tem a gestão de uma autonomia que se sedia num arquipélago como o nosso. Por um lado as pressões constantes de grupos e sectores económicos com peso significativo por outro os imperativos de carácter social e moral. E são exactamente imperativos que terão de prevalecer, sob pena de serem os próprios açorianos a fazerem o seu enterro.

Uma ilha como o Corvo é um exemplo de um “mau negócio” numa perspectiva exclusivamente economicista. E, no entanto haverá alguém que questione o direito dos corvinos a uma vida digna e o acesso às prerrogativas constitucionais que lhes assistem como a qualquer outro cidadão português?

Contexto em que tem de ser entediada a autonomia: como um sistema político-jurídico capaz de assegurar, a nível dos Açores, a indispensável solidariedade entre as ilhas e os ilhéus. Sistema que, por definição, não pode comportar hegemonias que obedeçam a valores que tenham por base continentalismos frustrados. Ser açoriano significa, antes de tudo, habitar uma das nove ilhas, seja ela qual for.

Por tudo isso é fundamental que a Assembleia Legislativa Regional se mantenha na Horta da mesma forma que os departamentos governamentais que lá têm sede. Independentemente do facto de a Horta só ter direito a quatro deputados e do número de vacas ou de camas para turistas ser muito maior em S. Miguel. Porque a lógica que está por trás dessas opções é de carácter político e social e não artístico.

Sendo natural e salutar que açorianos de S. Miguel (ou de outro lado qualquer) contestem e critiquem, quando o entenderem necessários e justificável, os políticos Adolfo Lima e Eugénio Leal pelo seu desempenho à frente dos respectivos departamentos, nada justifica que essas críticas levem, eventualmente, à contestação da própria existência das respectivas secretarias em solo faialense. Porque a conversa, aí, é outra e é grave.

Os cidadãos referidos não são donos dos respectivos departamentos e o partido a que pertencem não é dono do governo. É portanto, natural que venham a deixar, mais tarde ou mais cedo, as suas funções governativas. O que não é natural é que, a essas eventuais saídas, se queira associar também a saída das sedes das secretarias. Porque, neste caso, se estará a tentar alterar questões de fundo com base em desempenhos de pessoas.

Para o Faial/Pico e grupo ocidental não é fundamental quem está à frente das secretarias mas é, indiscutivelmente, indispensável que elas permaneçam na Horta. Como também é essencial que não venham a ser transformadas em secretarias de 2ª como já foi indicado quando os transportes foram retirados ao Turismo que recebeu em troca o, então, pouco cobiçado Ambiente.

Objectivos em volta dos quais os açorianos nestas paragens devem cerrar fileiras.

Para que a chamarrita não dê lugar à dança das secretarias.


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sexta-feira, janeiro 28, 1994

O MUNDO DE ZHIRINOVSKY


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«Os que tiveram que ser presos, sê-lo-ão, calmamente, durante a noite. Possivelmente terei que executar 100.000 pessoas mas os outros 300 milhões viverão em paz. Eu tenho o direito de executar 100.000 pessoas. Eu tenho esse direito como presidente»
Vladimir Zhirinovsky


O MUNDO DE ZHIRINOVSKY


O grave da citação, acima transcrita, é que foi feita em Dezembro de 1993 por um político que acabava de obter um expressivo resultado eleitoral neste nosso conturbado mundo e num país que era, até há bem pouco tempo, uma grande potência mundial. Um homem que afirma que a política é constituída por 70% de mentiras e terror e que, por consequência, não é possível fazer política sem mentiras e terror!

Tudo não passaria de um lamentável incidente a juntar a tantos outros se não fosse este fascista puro, o líder da força que obteve o resultado mais espectacular nas últimas eleições na Rússia. Um fascista descarado que nem se preocupa em disfarçar o seu racismo e nacionalismo primários. Um homem arrogante, inculto e agressivo que consegue, contudo, através de uma demagogia ultranacionalista e racista arrastar as massas atrás de si. Um homem que apela aos instintos mais primários e negativos eleitorado e que, quase, consegue chegar ao poder.

Situação que, pela perversão que representa, abala, fortemente, o próprio conceito de democracia parlamentar ocidental. Porque sendo este sistema, apesar de tudo, o melhor conhecido, ainda assim não consegue impedir desvios graves daquilo ao longo de gerações se tem vindo a constituir como o núcleo cultural e político desse próprio sistema democrático a permitir e viabilizar o acesso aos poder de forças anti-democráticas?

A democracia para subsistir não pode chegar a um ponto de debilidade tal que seja, ela própria, a gerar, no sei seio, a sua causa de morte. Seria como um médico que se estivesse a matar os seus próprios doentes! São coisas completamente contraditórias nos seus termos e que portanto não fazem qualquer sentido lógico.

De modo que é perfeitamente legítimo poder afirmar-se que não existe na Rússia, por muito que isso pese a alguns idealistas bem intencionados, democracia. Existe apenas um simulacro carnavalesco e em versão russa de democracia para europeu ver. Haverá quem ache que apesar de tudo é preferível um Boris Yeltsin e esse simulacro do que o sistema que lá estava, antes. É possível mas que ninguém se iluda quanto ao teor perverso do actual sistema que vigora a Rússia.

Mas como se pode compreender e muito menos aceitar que um homem como Zhirinovsky tenha assento num parlamento dito democrático quando ele representa tudo aquilo que esse parlamento não pode significar?

Não será levar a tolerância democrática longe de mais?

Ou será apenas mais um daqueles casos em que a nossa hipocrisia civilização vai meter a cabeça debaixo da areia e fingir que não está a perceber nada? Um fascista e racista assumido não poderia, nunca, ter lugar, passem os votos que ele teve, num órgão que pretende ter uma instituição representativa de quem aceita as regras do jogo democrático e não mero instrumento de poder para quem não respeita e muito menos aceita os valores essenciais de um estado de direito.

A comunidade internacional estará a cometer um grande erro político ao tomar uma atitude passiva num caso como este.

Não se pode analisar o caso russo com os valores e os olhos de Londres, Paris ou Bona. É uma sociedade que acaba de sair de uma longa noite de totalitarismo com valores quotidianos e uma cultura muito diferentes da Europa Central. Tentar transpor para lá, de uma forma mecanicista, os nossos valores poderá levar a erros grosseiros de avaliação.

A Europa e os estados Unidos terão que avaliar muito bem os termos e as condições em que fazem e farão a sua ajuda. A passividade da Europa será, sem dúvida, interpretada por espíritos como os de Zhirinovsky como prova de fraqueza e de medo da comunidade internacional. Veja-se o exemplo do Iraque e de Saddam que continuam a incomodar tudo e todos porque apenas não houve a coragem de assumir até às últimas consequências a Guerra do Golfo.

Os inimigos da democracia não podem, em nenhuma circunstância, ser tratados como democratas. Esse erro, repetidamente cometido, tem levado ao derrame de muito sangue inocente e de muito sofrimento. Os exemplos são tantos e tão recentes que nem vale a pena citá-los.

Que haja coragem para alguém se levantar e gritar bem alto que o rei vai nu.


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sexta-feira, janeiro 14, 1994

UM TIRO NO PÉ OU UM GOLPE DE MESTRE?


   FACE OCULTA

«Embora só alguns estejam aptos a gizar uma política, todos são capazes de a julgar»
Péricles de Atenas

UM TIRO NO PÉ OU UM GOLPE DE MESTRE?


O resultado das eleições autárquicas nos Açores foi uma surpresa para toda a gente. Nunca o PSD imaginou uma vitória tão folgada nem o PS uma derrota tão pesada.

O mais previsível era um resultado equivalente ao de 1989 com algumas alterações de câmaras, aqui e ali, mas com uma distribuição de forças semelhante.

As dificuldades decorrentes da crise conjugadas com uma governação baça e incapaz de encontrar soluções originais para os problemas regionais, o desgaste de tantos anos de poder e de uma gestão autárquica socialista globalmente adequada não faziam prever um suplemento de legitimidade popular para o partido do governo. Bem pelo contrário, isso sim, uma consolidação das posições do PS, sobretudo a nível do Pico e S. Miguel.

Tirando os casos de Lajes do Pico e Praia da Vitória que, por condicionalismos específicos, poderia voltar para a órbita do poder, era de esperar, como de resto sucedeu no continente, um resultado final francamente positivo para a oposição.

Nem o governo regional foi tão brilhante e eficaz ao longo destes últimos quatro anos nem a oposição socialista, apesar de tudo, tão desastrosa. Houve, inclusive, câmaras que passaram para o PSD e que estavam a ter gestões perfeitamente positivas como foi o caso de Madalena do Pico e Ponta Delgada.

O que se passou então? Porque razão decidiu o eleitorado colocar, novamente, quase todos os ovos no mesmo cesto? Porque decidiram os picoenses, por exemplo, passar toda q gestão autárquica para o partido do poder, numa ilha tradicionalmente desgostosa com a falta de benesses por parte do governo?

Sabido que, frequentemente, as eleições autárquicas são utilizadas pelos eleitores para mostrar cartão amarelo ao governo tudo parece indicar que os eleitores açorianos quiseram exprimir apoio ao governo. As discrepâncias e contradições verificadas em muitos sítios levam à conclusão que o voto nestas autárquicas foi, essencialmente, um voto na camisola. O que, obviamente, quer dizer, em termos objectivos, que os açorianos continuam claramente satisfeitos com a política do PSD.

Se as eleições tivessem sido legislativas ainda se poderia argumentar que a vitória social democrata tinha sido mais por demérito da oposição do que por mérito do poder. Mas tendo estas sido eleições e tendo da oposição em muitos sítios bons candidatos que perderam inesperadamente, mesmo para as próprias hostes laranjas, tal raciocínio não é possível.

O único raciocínio possível é que o modelo político protagonizado pelo PSD/Mota Amaral/Natalino Viveiros ainda continua a agradar, apesar de todas as críticas mesmo de dentro do partido, à maioria dos açorianos que continuam a achar que é neste modelo que poderão encontrar mais benesses e vantagens. Embora o PSD tenha contado com meios de propaganda eleitoral mais sofisticados e abundantes e com própria máquina do governo, o mesmo se verificou no continente e os resultados foram completamente diferentes.

Naturalmente que o partido do governo ao conseguir esta consolidação eleitoral passou a ter, se ainda é possível, responsabilidades acrescidas na condição dos destinos açorianos. Têm, quase em exclusivo, a faca e o queijo na mão.

Os açorianos têm, por outro lado, aquilo que escolheram: um cenário que potencializa a eternização de uma força política no poder e que deixa pouca vontade de participação política a quem protagonizou a oposição.

Será que os açorianos ao terem votado assim não se aperceberam de todas a implicações políticas que o seu acto iria trazer e de algum modo deram um tiro no próprio pé ou sabiam muito bem o que estavam a fazer na defesa dos seus interesses pessoais e imediatos e assim deram um golpe de mestre. Terão os açorianos perdido alguma da sua proverbial manha ou terão mesmo uma alma laranja?


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sexta-feira, outubro 29, 1993

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS


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ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS



Entregues as listas de candidatos, todos se aprontam para o arranque da batalha eleitoral das eleições autárquicas.

Infelizmente tudo parece indicar que, mais uma vez, vai ser uma corrida de pé-coxinho. Fundamentalmente porque os estados-maiores dos partidos, os todo-poderosos da política em Portugal, se preparam para pôr a fasquia destas eleições em alturas que têm pouco a ver com o poder local.

Todos se preparam para tirar dos resultados, quaisquer que sejam, ilações e extrapolações para a «alta» política, quer regional quer nacional. Se o poder local eleito for favorável à oposição esta vai afirmar que as eleições legislativas já não são válidas. Se a fortuna calhar à situação esta vai tentar demonstrar que o seu poder legislativo foi, mais uma vez, legitimado.

Conclusões, à partida, perfeitamente ilegítimas.

O poder local, cerne do dia-a-dia da comunidade, não pode estar prisioneiro dos jogos partidários e das respectivas ânsias de poder. Por definição ele é um poder virado para a execução e, por consequência, dotado de baixo teor partidário.

A votação nas autárquicas e, por natureza, altamente personalizada. Os eleitores são chamados a escolher as pessoas que vão, a nível local, gerir as suas necessidades e anseios. De tal modo que se generalizam, por esse país fora, as transferências de partido e a caça aos independentes.

Por tudo isso o xadrez do poder local não coincide, frequentemente, com o xadrez do poder legislativo. E ainda bem, porque assim se evitam monopolismos que apena julgam o desenvolvimento do progresso.

É perfeitamente saudável que as maiorias autárquicas não tenham nada a ver com aas maiorias legislativas e vice-versa.

Um poder local forte e dotado de autonomia é, sem dúvidas, uma condição indispensável para o desenvolvimento das comunidades, nomeadamente das mais interiores e/ou periféricas. Só espíritos obtusos e autocráticos podem ver trevas nessa autonomia. Porque um poder locar válido e forte é um suporte precioso para a governação sensível aos problemas locais.

Não se pode ver a floresta apenas pela árvore mas o contrário também é verdadeiro.

Já sendo tarde para que as eleições autárquicas em Portugal possam ser disputadas, a todos os níveis, por independentes. Gente que se pretenda empenhar na defesa dos interesses locais e do progresso comunitário, sem assumir compromissos ou dependências partidárias. Propósito perfeitamente legítimo que só poderá manter medo a quem do poder tiver uma versão autárquica e carreirista.

Nenhum democrata contesta a importância dos partidos. Importa, apena, realçar que a vida política de um país não se pode resumir aos desígnios de dois ou três partidos. Tem que ter um carácter muito mais lato com a participação activa da sociedade civil.

Apenas assim se impedirá a total partidarização da vida política do país e, o mesmo é dizer, a total dependência das direcções partidárias que, em muitos casos, dependem quase exclusivamente de um homem.

Pelo que é fundamental que se altere a lei eleitoral das autarquias locais e que as respectivas eleições sirvam para legitimar os autarcas mais capazes e empenhados e não apenas para, como frequentemente acontece, justificar jogos de poder dos partidos e respectivas direcções.

A Região Autónoma dos Açores tem um parlamento e um governo perfeitamente legítimo com duração prevista na lei. Factos que não têm nada a ver com o poder local que também tem a sua legitimidade inquestionável. São níveis de poder diferentes, com competências diversas.

Tentar metê-los no mesmo saco é um profundo erro que só instala e beneficia a confusão no espírito das pessoas e as leva a acreditarem, cada vez menos, na política e nos políticos. Que eleições legislativas sejam legislativas e que autárquicas sejam autárquicas.

Oxalá que estas eleições, que agora se avizinham, sejam uma manifestação de maturidade cívica e política, quer por parte dos eleitores quer por parte dos partidos e respectivos estados-maiores.


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quinta-feira, setembro 30, 1993

A ARMADILHA DOS GOLFINHOS


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A ARMADILHA DOS GOLFINHOS



Embora a malfadada reportagem sobre a caça (?) dos golfinhos nos Açores já tenha feito correr muita tinta e levado à tomada de posições das mais variadas entidades, nunca será demais reflectir serenamente sobre o assunto.

Por várias razões. Desde logo porque se tratou de um trabalho que pretendia defender uma causa de alto teor moral, depois porque foi apresentado na televisão estatal que existe (ou devia existir) para garantir ao público informação isenta de sensacionalismos baratos e finalmente porque se trata de um tema importante e que a todos diz respeito.

E exactamente porque o filme se arrogava a defender valores morais elevados (a defesa da vida de seres vivos indefesos e inofensivos e do equilíbrio ecológico) desde logo era imperativo que o tema fosse tratado como maior seriedade e isenção. A eventual bondade (?) dos objectivos nunca poderia justificar meios menos correctos e/ou verdadeiros.

Por outro lado a RTP sabia ou deveria saber que uma reportagem (?) como a que foi apresentada iria ter uma grande repercussão negativa para o arquipélago quer em termos nacionais quer internacionais. O que, desde logo, deveria ter implicado por parte da RTP, dado o seu caracter oficial, o maior cuidado. A tendência natural do público é para considerar a televisão estatal, ao fim e ao cabo paga fortemente pelo bolço dos contribuintes, como uma fonte fidedigna e merecedora de crédito.

Ora é um dado adquirido que o tudo não passou de una cabala encenada com objectivos que não se conhecem na sua total extensão mas que poderão ter a ver com pressões e interesses internacionais menos límpidos, e que poderão até ter constituído uma forma de chantagem sobre o Governo Regional e a Região.

Vários dos intervenientes açorianos, se não a totalidade, foram induzidos em erro e estimulados para participar em actos que podem ser considerados ilegais, ou pelo menos, altamente irregulares. E quem fez a reportagem sabia isso muito bem. E, mesmo assim, não tiveram qualquer pejo em utilizar pessoas de boa fé e hospitaleiras. Sem atender aos prejuízos e dissabores que isso poderia vir a causar.

Durante muitos anos a caça e consumo de golfinhos foi uma prática perfeitamente legal nos Açores. Em algumas ilhas a carne de toninha era mesmo considerada um petisco especial, possivelmente como o consumo de cães ou de gatos na China! Uma questão fundamental de hábito, se se preferir.

Depois da proibição houve quem continuasse a caçar, ocasionalmente, o golfinho. Possivelmente com o mesmo espírito prevaricador com que respeitam os sinais de trânsito ou os limites de velocidade. Infracções que têm de ser vistas num contexto cultural em que o golfinho, com todo o respeito, é tido um peixe como outro qualquer, sem qualquer outro privilégio especial.
 De modo que a fazer uma reportagem sobre o tema teria que ter havido por parte dos autores a preocupação de ter filmado situações autênticas e não ter encenado farsas como foi o caso do restaurante ou mesmo da própria morte da toninha. Ou a tê-lo deveriam ter, antecipadamente, avisado que se tratava de cenas encenadas e montadas para tentar reproduzir o que os autores imaginaram que fosse a prática comum nos Açores.

A reportagem apresentada na RTP foi uma farsa ignóbil que não veio beneficiar nenhuma causa nobre.

A caça à toninha nos Açores é, hoje em dia, uma prática clandestina e em vias de extinção. Tudo o resto são mentiras descaradas de que não respeita nada, nem a dignidade das pessoas nem a idiossincrasia açoriana.

Não está, minimamente, em causa a ideia de que a caça do golfinho deva ser apoiada ou defendida. Nada disso, o golfinho é um mamífero simpático e amigável, nosso companheiro de rota nessa complexa jornada que é a vida e que connosco partilha, de forma positiva, um habitat imprescindível à nossa própria existência.

O que está em causa é um mau jornalismo e uma profunda falta de ética profissional e humana.


P E D R O  D A M A S C E N O